Moeve (ex-Cepsa) acelera nos biocombustíveis e hidrogénio e vê “modelo de negócio muito lucrativo”

Pierre-Yves Sachet explica a confiança da ex-Cepsa na transformação do negócio petrolífero através de moléculas verdes, apesar dos recuos dos pares no hidrogénio verde.

A petrolífera espanhola Cepsa anunciou no final de outubro que passará a ter uma nova identidade: agora apresenta-se como Moeve. O objetivo é evidenciar as mudanças que estão a acontecer no negócio, que está gradualmente a deixar para trás o petróleo e a apostar em negócios mais verdes. No rescaldo do anúncio, Pierre-Yves Sachet, vice-presidente executivo com a pasta da Mobilidade e Novos Negócios, afirma em entrevista ao ECO/Capital Verde que, apesar da recente turbulência no mercado do hidrogénio verde, a empresa está confiante de que a procura crescente por moléculas verdes vai dar asas a um negócio que espera vir a ser “muito lucrativo”, e no qual não conta recuar. “Não há como voltar atrás”, diz.

Acreditamos no crescimento da procura por moléculas verdes, e que esta procura vai gerar um modelo de negócio muito lucrativo. Caso contrário, não estaríamos a investir tanto dinheiro” neste segmento, afirma Pierre-Yves Sachet.

A expectativa da empresa é que as energias baseadas em moléculas verdes — biocombustíveis, hidrogénio verde e derivados como o amoníaco ou o metanol —representem entre 40% a 50% dos lucros no final da década, e o carregamento ultrarrápido entre 5% a 10%. Isto significa que a maior parte das receitas da Moeve, em 2030, deverá ter origem em negócios de energia limpa, apesar de uma fatia muito relevante, possivelmente igualitária, tenha ainda origem nos combustíveis fósseis por essa altura.

“Vamos fazer crescer o nosso retorno, que virá gradualmente de fontes alternativas ao fóssil. Não vejo porque é que as atividades sustentáveis entregariam menos retorno do que os combustíveis fósseis”, defendeu ainda o mesmo responsável, confrontado com a hipótese de os retornos financeiros sofrerem com a transformação da empresa para novas áreas de negócio.

O investimento previsto no plano estratégico da Moeve, até 2030, é de até 8 mil milhões de euros, dos quais pelo menos 60% serão aplicados em negócios sustentáveis. A empresa está de momento a construir uma fábrica de biocombustíveis em Huelva, Espanha, um investimento de 1.200 milhões de euros, e que será o maior complexo de biocombustíveis do sul da Europa, garante o responsável.

Não vejo porque é que as atividades sustentáveis entregariam menos retorno do que os combustíveis fósseis.

Em paralelo, no que diz respeito aos gases renováveis, a empresa tem planeado o desenvolvimento de cerca de 30 fábricas de biometano e encontra-se de momento a desenvolver o Vale Andaluz de Hidrogénio Verde, um investimento de 3 mil milhões de euros com uma capacidade de eletrólise de 2 gigawatts (GW), o que significaria cerca de 300.000 toneladas de hidrogénio verde. Estes números tornam-no o maior projeto de hidrogénio verde apresentado na Europa até à data, aponta a empresa. A previsão é de que a produção comece a partir de 2026.

A percentagem de EBITDA sustentável vai crescer dramaticamente” a partir do momento em que a produção em Huelva tiver início, prevê.

Confrontado com os riscos de que o hidrogénio não amadureça de forma a sustentar o negócio e a entregar margens atrativas, o responsável da Moeve é perentório: “apontem-me algo que não seja incerto ao dia de hoje”. E acrescenta: “Não é por, enquanto falamos, haver uma súbita dúvida temporária no hidrogénio que nos vamos desviar da nossa estratégia. Senão, não é uma estratégia, é uma tática”, balança.

A BP abrandou recentemente as apostas de baixo carbono, travando 18 projetos potenciais de hidrogénio verde. A Shell também diminuiu a ambição dos projetos que possui neste último segmento. Em Portugal, a Fusion Fuel, uma das promessas desta nova energia, falhou um financiamento e declarou insolvência este novembro. Os exemplos de travagem vão-se multiplicando e lançam questões sobre o futuro desta tecnologia.

Não é por, enquanto falamos, haver uma súbita dúvida temporária no hidrogénio que nos vamos desviar da nossa estratégia.

“Se o hidrogénio é uma solução única para todos os problemas? Provavelmente não. Mas isso não significa que não há negócio para o hidrogénio. Há muito”, indica Sachet. E sustenta: “É extremamente difícil, senão impossível, descarbonizar uma série de outras atividades ou indústrias com eletrões”, como a indústria do cimento, fertilizantes ou aço. Estas indústrias não terão outra saída para a respetiva descarbonização, “a não ser que o enquadramento legal mude. Mas da forma que as alterações climáticas estão a evoluir, duvido muito”, conclui.

“Nós temos uma visão muito clara daquilo que será a procura por moléculas verdes, e acreditamos que em 2050 haverá um espaço muito grande ocupado por essa procura. Queremos ser os primeiros a responder a esta procura”, explica. O mesmo indica que as moléculas verdes poderão ter um peso no mix energético europeu de entre 7% e 10% até 2030, em função das políticas aplicadas para incentivar a sua utilização e colocar limites aos combustíveis fósseis. As perspetivas sobem para 15% a 30%, num cenário otimista, concede.

As moléculas verdes produzidas na Península Ibérica servirão, em primeira instância, para descarbonizar a atividade da Moeve e para produzir biocombustíveis. Parte da produção será dirigida aos clientes da empresa dentro da Península. Uma parcela mais pequena será usada na mobilidade. Por fim, a empresa já definiu um corredor marítimo que servirá para exportar para o norte da Europa. Para o resto do mundo, “não faz muito sentido”, defende Yves Sachet.

Sobre a possível realocação dos projetos de hidrogénio que estão pensados para Espanha, perante uma legislação que prevê impostos mais pesados para as energéticas, Yves Sachet confirma que estas alterações fiscais põem em “em risco” os investimentos da empresa neste país, sendo que a mesma pode passar a priorizar investimentos noutras geografias, como nos Estados Unidos e Brasil. A decisão final ainda está por tomar, mas Portugal não está em cima da mesa como possível nova localização.

Adeus aos fósseis serve de garantia

Foi há pouco mais de dois anos que foi anunciada a estratégia Positive Motion, uma estratégia “muito diferenciada”, considera Yves Sachet. O objetivo era reposicionar a Cepsa como “uma força líder e um exemplo” na transição energética a nível europeu. A estratégia assenta em três áreas: em primeiro lugar, o investimento em moléculas verdes, que inclui os combustíveis renováveis, o hidrogénio verde e seus derivados como amónia e metanol verdes. Em segundo lugar, a mobilidade sustentável, que passa tanto pela mobilidade elétrica como, novamente, pelo hidrogénio verde, no âmbito dos transportes pesados. Num terceiro eixo, a empresa quer produzir químicos verdes, já que produz a matéria-prima para os detergentes.

Enquanto falamos, não muito do que estamos a vender ou produzir é sustentável, porque estamos num processo. Mas somos os líderes em postos de carregamento elétrico na Península Ibérica, e a única empresa que vendeu 70% do seu portefólio de exploração e produção”, enquadra Pierre-Yves Sachet.

A empresa decidiu afastar-se da exploração e produção, vendendo os ativos fósseis que detinha nos Emirados Árabes Unidos, no Peru e na Colômbia, que correspondiam a 70% do portefólio de exploração e produção de petróleo da Moeve. Restam 30%, em exploração na Algéria. “Isto é um passo muito arriscado. Ninguém no mundo do petróleo e gás fez isto”, afirma Yves Sachet.

Isto é um passo muito arriscado. Ninguém no mundo do petróleo e gás fez isto.

A “questão chave”, reconhece Yves Sachet, é saber que garantias existem de que a Moeve não recuará neste caminho, tendo em o abalo que se tem registado nas ambições de outras petrolíferas. O primeiro argumento da Moeve é precisamente a venda de grande parte do portefólio fóssil. “Não há como voltar atrás”, entende o responsável pela área de Novos Negócios.

Em último lugar, na lista de razões para a Cepsa não recuar no caminho que tem agora desenhado, está o facto de a empresa não estar cotada em bolsa, o que o responsável considera ser uma “grande diferença” perante os concorrentes. “Isto dá-nos uma agilidade e capacidade de mudar de uma posição para a outra que mais ninguém tem”, acredita, com base na “obrigação” que os restantes têm de entregar determinados dividendos que “ainda provêm do mundo fóssil”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Moeve (ex-Cepsa) acelera nos biocombustíveis e hidrogénio e vê “modelo de negócio muito lucrativo”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião