Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, faz uma análise da proposta de OE em exclusivo no ECO. Os Portugueses vão continuar a pagar impostos máximos e a receber serviços públicos mínimos.
A proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) apresenta como saldo orçamental para 2023 um superavit de 0.8% PIB e para 2024 um superavit de 0.2%. Mas como veremos neste artigo, é uma consolidação orçamental que assenta sobretudo na cobrança recorde de impostos e não no crescimento económico e na maior eficiência e racionalização da despesa pública.
Cenário macroeconómico
O governo prevê para 2023 um crescimento de 2.2%, sendo de 1.5% em 2024. Para 2024 trata-se de uma forte revisão do cenário macroeconómico face ao previsto em abril no Programa de Estabilidade (que previa 2%) [refira-se que a previsão de 1.5% para 2024 está em linha com as restantes instituições, que apresentaram recentemente projeções, a saber, o Conselho de Finanças Públicas (1,6%), o Banco de Portugal (1,5%) e o FMI (1,5%)].
A economia está em forte desaceleração desde o 2º trimestre. O efeito de recuperação pós-pandemia terminou, e do ponto de vista do PIB nominal o efeito preços também desacelerou bastante. O PIB nominal cresce 9.2% em 2023 (devido a um deflator de 7%), para um crescimento nominal de 4.4% (um deflator de 2.9%). Ou seja, o crescimento do PIB nominal reduz-se para menos de metade em 2024.
Em 2023 são as exportações (líquidas de importações) que mais impactam no crescimento da economia. Já em 2024 o crescimento resulta da procura interna, já que a procura externa líquida (exportações líquidas) tem um contributo negativo para o crescimento económico. Em termos de taxa de crescimento, a rubrica com maior contributo para a procura interna será o investimento, que, nas previsões do governo, deverá acelerar de um crescimento de 1,3% estimado para este ano, para um crescimento de 4,1%.
Depois da recuperação da quebra de 8.3% do PIB de 2020, que aconteceu em 2021 e 2022, verifica-se que a economia Portuguesa continua a não crescer acima de 2% de forma sustentada e prolongada no tempo, conforme gráfico abaixo. Os graves problemas de competitividade e produtividade da economia Portuguesa não se alteraram, e em alguns aspetos, têm-se agravado nos últimos anos.
O contributo negativo das exportações líquidas decorre de se prever um aumento do volume das exportações (2,5%) bem abaixo do das importações (3,2%). O crescimento das exportações está em linha com o crescimento da procura externa dirigida à economia portuguesa, de 2,6%. Não se preveem qualquer ganho de quota de mercado.
Já o consumo privado tem um crescimento nominal de 3.7% (1.1 real e 2.6 de deflator do consumo privado). Como veremos mais à frente, este crescimento nominal está pouco alinhado com as previsões de crescimento da receita fiscal dos impostos indiretos.
A inflação, medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor, vai abrandar para 3.3%em 2024, valor ligeiramente mais otimista do que as previsões alternativas, sendo que o valor para 2023 é de 5.3% Já o IPC passa de 4.6% para 2.9%.
Depois da recuperação da quebra de 8.3% do PIB de 2020, que aconteceu em 2021 e 2022, verifica-se que a economia Portuguesa continua a não crescer acima de 2% de forma sustentada e prolongada no tempo, conforme gráfico abaixo. Os graves problemas de competitividade e produtividade da economia Portuguesa não se alteraram, e em alguns aspetos, têm-se agravado nos últimos anos.
De facto, de 2000 a 2024, assumindo uma base 100 para o PIB de 2000, verifica-se uma estagnação económica ao longo de duas décadas. Em 2024, o PIB será de 121, partindo da base 100 em 2000. Ou seja, 25 anos para crescer, em termos acumulados, cerca de 20% (ver gráfico abaixo).
O desemprego teve em 2023 uma aceleração considerável, passando de 6% para 6.8%, uma subida significativa, sobretudo em contexto de algum crescimento económico. Para 2024, o governo prevê uma estabilização do desemprego. O gráfico abaixo mostra como existe algum risco de o desemprego subir no próximo ano.
Finanças Públicas
Depois de um défice de 0.3% do PIB em 2022, o governo prevê um superavit de 0.8% em 2023 e um superavit de 0.2% em 2024.
O gráfico abaixo, retirado da página 115 do relatório do OE24, é elucidativo de como se passou de um défice de 0.3% em 2022 para um superavit de 0.8%. Se somarmos o aumento da receita fiscal e contributiva temos 3 pontos percentuais (p.p.) do PIB, o que somado ao aumento da outra receita (sobretudo PRR e receita de capital), temos 4 p.p. do PIB. A isto há que ainda considerar o fim das medidas Covid-19 e de apoio à inflação, no valor de 2% PIB. Ou seja, sem medidas adicionais, o governo iniciou o ano orçamental com um excedente de 5.5% PIB! Depois o governo aumentou a despesa pública em cerca de 3% PIB e atribuiu apoios sociais de 1.7% PIB, atingindo um superavit de 0.8%.
Note-se que o governo que cobrou mais 4% PIB em receita, apenas “devolveu” às famílias menos de metade desse valor (1.7% PIB). Ou seja, a bonança orçamental a servir para aumentar cada vez mais a despesa pública, sem que isso signifique melhores serviços públicos. Pelo contrário, com os serviços públicos em colapso, a começar na saúde, merece ser perguntado: “O que faz o governo com esta despesa toda?”.
Embora o governo não apresente para 2024 o mesmo gráfico que mostra para 2023, de passagem do défice orçamental, não é difícil fazer as contas.
A receita total aumenta 1.2 p.p. do PIB. Já a despesa total sobe 2 p.p do PIB. O efeito base do aumento do PIB leva a que esta diferença conduza a uma redução do superavit de 0.8% para 0.2%. A despesa corrente sobe 1 p.p do PIB e a despesa corrente primária sobre 0.8 p.p. do PIB.
A despesa com juros inverteu o ciclo em 2023. Depois de sete anos de bonança, a despesa com juros começou a subir. Em 2015, o Estado gastava cerca de 8 mil M€ em juros. Em 2022 esse valor foi de 5 mil M€. Uma poupança de 3 mil M€ face a 2015. Em percentagem do PIB a despesa com juros passou de 4.5% em 2015 para 2.1% em 2022. Em 2023 começou a subir, sendo de 5.7 mil M€, passando agora em 2024 para 6.3 mil M€. Em percentagem do PIB, passou de 2.1% em 2022 para 2.3% em 2024. Ainda longe do valor de 2015, quer em termos nominais, quer em termos de percentagem do PIB.
Em 2015, para um stock da dívida pública de 230 mil M€, Portugal pagou 8 mil M€ de juros (4.5% PIB). Para 2024, o governo estima que, para um stock da dívida de 280 mil M€, Portugal tenha uma despesa com juros de 6.3 mil M€, ou seja, 2.3% PIB. Uma redução de quase 2 mil M€ (menos 2.2% PIB), quando o stock da dívida aumentou 50 mil M€. Ou seja, uma redução da taxa de juro média implícita da dívida pública de 3.5% para cerca de metade (1.8%). Se a taxa de juro média se tivesse mantido nos 3.5%, Portugal estaria a pagar de juros não 5 mil M€, mas sim 10 mil M€ (e isto assumindo que despesas com juros maiores nos últimos 8 anos não teriam implicado défices maiores e consequentemente uma divida pública ainda maior, com mais despesa de juros).
Ou seja, em 2024, o governo poupa em termos reais, face a 2015, 2 mil M€ de juros, mas em termos potenciais a poupança é de 5 mil M€ face ao que pagaria se as taxas de juro não tivessem começado a cair a pique a partir de 2017.
Nota: taxa de juro média em 2015 era de 3.5%; Taxa de juro média em 2022 era de 1.9%
Tudo isto graças à política monetária do BCE, iniciada em meados de 2015, de compra de dívida pública. Nos últimos 6 anos, o BCE comprou mais divida pública Portuguesa no mercado secundário do que a emitida pela República no mercado primário. Além disso, como as compras são feitas via Banco de Portugal, esta entidade passou de um valor de dividendos e IRC próximo de zero em 2013-2014 para um montante nos últimos anos (até 2022) em torno dos 800 a 1,000 M€.
Dois efeitos brutais que, como fui dizendo ao longo destes anos aqui no ECO (*) e em muitos outros locais, permitiram uma consolidação orçamental meramente nominal e não estrutural. Entre 2015 e 2019, o défice reduziu-se em 3.6 p.p. (passou de um défice de 3% PIB em 2015 para um superavit de 0.6% em 2019). Porém, só em poupança de juros e dividendos do Banco de Portugal foram 2 p.p..
Se lhe juntarmos o aumento da carga fiscal (+0.6% PIB, dado que passou de 34.4% PIB em 2015 para 35% em 2019) e o corte no investimento público (0.3% PIB, dado que passou de 2.3% PIB para 2%), temos 3 p.p. em 3.6%. Ou seja, os fatores pontuais, os impostos e o corte do investimento representaram mais de 80% da consolidação orçamental do Doutor Centeno. Uma farsa e uma ilusão, como fui dizendo. Na despesa estrutural da Administração Pública, o governo socialista não tocou.
Basta ver como teria evoluído o saldo estrutural (o saldo orçamental sem o efeito do ciclo económico e as medidas pontuais) retirando do seu cálculo o efeito dos juros e dos dividendos do Banco de Portugal (conforme o gráfico abaixo): em 2015, seria um défice estrutural de 2%, mantendo-se praticamente inalterado até 2019. Em 2024, o défice estrutural não seria de zero, mas sim de um valor acima dos 2%. É esta a medida do desequilíbrio estrutural das contas públicas Portuguesas.
Se mais provas fossem precisas, basta analisar a evolução do Saldo Primário Estrutural (saldo estrutural sem os juros). No gráfico abaixo podemos constatar que, entre 2010 e 2015, melhorou cerca de 8 p.p. do PIB (passou de um défice estrutural primário de 5.6% para um superavit de 2.6%). Depois manteve-se praticamente inalterado entre 2015 e 2019 (melhorou 0.2 p.p., dado que passou dos 2.6% para os 2.8%, mas, como vimos, só nos dividendos do Banco de Portugal temos um valor superior a esta subida). Com a crise, em 2020, reduziu-se para um valor próximo de zero. Entre 2021 e 2022 mantém-se inalterado, com um superavit de 0.2%. Tem agora uma melhoria significativa, mas ainda longe dos valores anteriores à pandemia (apesar do forte aumento da receita fiscal).
Desde 2020 que a despesa primária, sem medidas de emergência e pontuais, não para de aumentar a um ritmo elevado. Passou de 84.7 mil M€ em 2019 para 98.7 mil M€ em 2022. Ou seja, subiu em 3 anos cerca de 14 mil M€! Passou de 39.7% do PIB para 43.6% do PIB. Um aumento de 3.6 p.p. depois de excluir a pandemia. Mesmo excluindo os 3.2 mil M€ do PRR, passou de 84.7 mil M€ para 95.7 mil M€, ou seja, um aumento de 11 mil M€! Mesmo excluindo o PRR, passou de 39.7% do PIB para 42.3% do PIB!
Mas agora em 2023 atinge um valor de cerca de 107 mil M€, atingindo um valor de 117 mil M€ em 2024. A despesa corrente primária em 2023 atinge o valor de 97 mil M€, passando em 2024 para 105 mil M€.
Por último, uma nota sobre o investimento público. Entre 2016 e 2019, esteve sempre abaixo dos 2.3% PIB de 2015. Foi uma das “farsas” orçamentais do Doutor Centeno e do Professor Leão (este como Secretário de Estado do Orçamento). Previa-se sempre grandes aumentos do investimento público, para “calar” o PCP e o BE, mas depois não se executava grande parte do prometido. Em 2020 e 2021, face à pandemia, o investimento público subiu.
Para 2023 a previsão é de 2.8% PIB e em 2024 de 3.3% PIB. Mas agora há o PRR, que representa cerca de 2 mil M€ de investimento público financiado integralmente pela UE. Se retirarmos esse valor (cerca de 0.8% PIB), verificamos que o investimento público em 2024 seria em torno de 2.5% PIB. Como fica sempre uma parte significativa por executar, não fora o PRR e voltaríamos a ter um investimento público abaixo de 2015. Não deixa de ser confrangedor ver o governo dizer que o OE aumenta o investimento público em 25%. Isto porque o aumento é de 1.8 mil M€ e, como vimos, só do PRR são cerca de 2 mil M€.
Impostos e famílias
A carga fiscal de impostos sobe de 24.9% do PIB para 25.1% PIB. Se nos OE anteriores deste governo, no papel a carga fiscal descia sempre e depois via-se a execução e a carga fiscal subiu quase todos os anos desde 2016. Neste caso, o OE nem disfarça.
O governo anuncia uma descida do IRS, a reboque do que o PSD apresentou em agosto. Mas subindo a carga fiscal, o que o governo dá com uma mão, tira mais com a outra. A receita dos impostos indiretos, em contas nacionais, sobe em 2024 cerca de 3.3 mil M€.
O governo anuncia uma descida do IRS, a reboque do que o PSD apresentou em agosto. Mas subindo a carga fiscal, o que o governo dá com uma mão, tira mais com a outra. A receita dos impostos indiretos, em contas nacionais, sobe em 2024 cerca de 3.3 mil M€. Aumenta assim o peso dos impostos indiretos em 0.6% (de 14.4% PIB para 15%). Refira-se que os impostos indiretos sobem 7.8%, com o IVA a subir 7.9%, mas o consumo privado sobe metade desse valor (3.7%).
É falso, como diz o ministro das Finanças que a subida da carga fiscal se deva a mais emprego. As contribuições para a segurança social mantêm o seu peso no PIB. A subida resulta da mesma fórmula desde 2016: cobrar muito em impostos indiretos, que são menos percetíveis para os Portugueses, mas mais injustos socialmente.
No OE24, vemos que depois de o governo ter cobrado mais 7 mil M€ de impostos em 2022 face ao previsto no OE22, agora em 2023, cobra mais 6 mil M€ que o previsto no OE23. Em apenas dois anos, o governo arrecada mais 13 mil M€ que o previsto no OE.
Em 2022, o saldo orçamental ficasse 3.6 mil M€ acima da previsão. Em 2023o saldo orçamental terá excedido a previsão em 4.4 mil M€. Em percentagem do PIB, a previsão era de um défice de 0,9% do PIB, que se transformou num excedente de 0,8% do PIB. Uma diferença de 1,7 pp.
Para tal também contribuiu a circunstância de a despesa ter ficado 400 M€ abaixo da previsão. E, como sempre desde que o PS governa, ficaram por executar em 2023 1.200 M€ de investimento público. Já em 2022 tinham ficado por executar 1.500 M€.
Síntese final
O 9° OE de António Costa é mais do mesmo. Volta a aumentar a carga de impostos para máximos, e prossegue a degradação dos serviços públicos para mínimos. Fraco crescimento económico, com um empobrecimento cada vez maior dos Portugueses. Com carga a subir para recordes, o Governo é que mais tem lucrado com a inflação, e as famílias quem mais tem sofrido com perda de poder de compra. Ficam piores todas as classes, especialmente a média e os mais pobres, e continuaremos a cair para a cauda da Europa.
Os alívios do IRS são mais do que eliminados pelos aumentos de impostos indiretos – a carga fiscal volta a subir para recordes. E falta saber, se à semelhança de todos os outros OE deste governo, não estão outra vez a esconder a dimensão do aumento da carga fiscal.
Os alívios do IRS são mais do que eliminados pelos aumentos de impostos indiretos – a carga fiscal volta a subir para recordes. E falta saber, se à semelhança de todos os outros OE deste governo, não estão outra vez a esconder a dimensão do aumento da carga fiscal. Em 2022 e 2023 o Estado cobrou mais de 13.000 milhões de euros de receita fiscal e contributiva que o Parlamento não aprovou, acima do que previsto e autorizado nos OE daqueles anos.
O Governo foi atrás de várias ideias e propostas do PSD: O equilíbrio orçamental, a redução de IRS, o IRS jovem, e a fixação das prestações dos créditos de habitação. Isso faz com que o OE seja um pouco menos mau.
O OE volta a esquecer as empresas, que são o parente pobre do OE. O Governo volta a insistir na pequena redistribuição para tentar mitigar o empobrecimento do país, e a faltar à aposta na criação de riqueza. Com este OE, discute-se muito medidas menores e irrelevantes, sem que qualquer reforma de fundo esteja no horizonte, são medidas do nosso empobrecimento relativo. Por outro lado, nada de muito relevante e decisivo se vê na saúde, educação, habitação e restantes serviços públicos.
Os Portugueses vão continuar a pagar impostos máximos e a receber serviços públicos mínimos!
* Entre outros artigos ver:
https://eco.sapo.pt/opiniao/a-pandemia-e-o-logro-orcamental/
https://eco.sapo.pt/opiniao/a-anatomia-de-um-superavit/
https://eco.sapo.pt/opiniao/a-ilusao-do-sucesso-do-defice-zero/
https://eco.sapo.pt/2018/05/05/rumo-ao-defice-zero-o-milagre-orcamental-do-governo/
https://eco.sapo.pt/opiniao/porque-desce-tao-pouco-o-defice/
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OE24, consolidação à base de mais impostos
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