
Eleições a que horas?
Em Portugal o futuro é sempre um discurso de propaganda. Se o futuro falhar a responsabilidade é do novo Governo.
“O que está em causa é saber se a oposição confia no Governo”. Esta é uma justificação absurda para uma crise política cínica. Se a oposição confia no Governo, demite-se como oposição e passa a ser um cadáver político. A função da oposição é controlar a acção do Governo exactamente porque não confia no programa, nas propostas, nas políticas do Governo. Se existisse esta cândida inocência da oposição, a democracia teria uma oposição decorativa para aplauso do Governo e benefício dos governantes. Reparem que o benefício é dos governantes, não do país. A estabilidade seria a conveniência do Governo. O progresso seria a riqueza das relações políticas. Parece que em Portugal a única fonte de riqueza reside na agenda das relações políticas. Uma oposição demótica e infantil é o coro de impunidade com que qualquer Governo sonha. Uma oposição obediente instalada na confiança será sempre cúmplice do Governo – só que no dia em que a oposição confiar no Governo a democracia acaba.
Este país que é Portugal é viciado em crises políticas e dramas institucionais. É a política do gesto largo que não leva o país a lado nenhum, mas que afasta as elites políticas do português comum. Quando o Governo não sabe o que fazer, quando o Governo faz o que não sabe, quando o Primeiro-Ministro ocupa a centralidade pivot de um círculo de influências, inventa-se uma crise política que é a uma espécie de espectáculo com vários enredos. A crise traz as eleições e as eleições remetem o país para o atraso. É verdade que as eleições são a festa da democracia. Mas em Portugal as eleições são o risco da impotência e um drama de baixa extracção para excitação das clientelas políticas. O que está em causa é o controlo da máquina política, a distribuição de lugares nas listas, o sorteio de cadeiras na administração pública. O país não tem um Governo. O Governo é que tem um país.
O Primeiro-Ministro pensa que pode ser Chefe do Executivo e Administrador de uma empresa familiar. A designação de empresa familiar tem o eco de uma oficina de artesanato e a longa sombra de todas as dúvidas. É funk líquido para tempos modernos. A confusão na rotação das agendas é sempre um exercício politicamente perigoso. Mais fantástico é que o Primeiro-Ministro está genuinamente convicto que a prática é a normalidade comum de um país normalmente comum. Não é normal que o Governo simplesmente obedeça, não é normal que o Partido fique em silêncio, porque é simplesmente uma disfunção política de uma democracia superficial em tempos de pânico.
A política democrática exige honestidade, transparência, confiança, sacrifício pessoal, lealdade a um conjunto de valores comuns partilhados com as restantes instituições. Se este conjunto de convergências divergir, os portugueses sentem que o Governo não está a governar para o conjunto das pessoas, mas a exercer o poder para um segmento particular do país, a exercer o poder em benefício próprio, ficando os benefícios com os beneficiados do regime e o país com os pródigos produtos dos prejuízos. Os portugueses já perceberam que estas crises não são produto da estupidez natural, mas tornam-se a face visível da pobreza intelectual, da moral plástica à conveniência, do jogo político pelo jogo político jogado no tabuleiro da realidade da vida dos portugueses. Sem elites éticas inspiradas na moral da República, a democracia transforma-se na encenação da demagogia que esconde uma “realidade plutocrata”. Depois toda a classe política fica escandalizada com o discurso subversivo e a agressividade dos partidos anti-sistema na vulgaridade comum que os portugueses entendem com o desprezo que antecede o ódio puro.
Cada vez mais a noção de que a democracia liberal e a economia de mercado coexistem em harmonia política não passa de uma “relíquia ideológica” da Guerra Fria.
E assim o país vai para eleições sem que ninguém queira eleições antecipadas. Entre moções de censura, moções de confiança, comissões de inquérito, pressões e contra-pressões, o que fica bem visível à observação de um português é uma crise que tem o rosto de uma crise de regime. É patético o apelo dos candidatos à Presidência da República, mediadores de última hora quando ainda não mediaram as próprias consciências para uma candidatura. Os autarcas e candidatos às autarquias entram em modo de recurso porque todos os timings e projectos ficam congelados. O PSD é todo pelo que for, o PS é todo pelo que será, mas PSD e PS fazem apenas o jogo político estafado de fugir da responsabilidade de uma crise política exótica. A Europa arde e Portugal entretém-se com as influências políticas rurais de um país eternamente provinciano.
Em Portugal o futuro é sempre um discurso de propaganda. Se o futuro falhar a responsabilidade é do novo Governo.
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