
Pêndulo Socialista
O líder socialista, em termos de imigração, começa por reproduzir a vulgata da esquerda imperfeita para acabar por afirmar uma posição que não é dele nem é dos socialistas.
O Partido Socialista não é um nome, é um diagnóstico. A entrevista do líder socialista assinala a passagem da adolescência à idade adulta da conveniência. A posição sobre a imigração é uma espécie de revolta interior em que revela menos do que se pensa e mais do que se deseja. Revela menos do que se pensa porque antes era o vazio abstracto das grandes proclamações juvenis. Ideias vagas sobre a humanidade comum, a solidariedade e um automatismo de esquerda que desmente a realidade e impõe a ideologia.
O líder socialista, em termos de imigração, começa por reproduzir a vulgata da esquerda imperfeita para acabar por afirmar uma posição que não é dele nem é dos socialistas. Começa com a realidade de uma não posição para acabar com a ficção de uma posição não socialista. O comité de socialistas dramáticos e profissionais da indignação fazem dramas e indignam-se em estúdios de televisão. Sobre o país nada, sobre o partido tudo. Uma linha clássica no drama queirosiano que é Portugal.
Surgem imediatamente os complexos de direita que são a imagem invertida dos complexos de esquerda. Para a esquerda todos os imigrantes são bons. Para a direita todos os imigrantes são maus. Para a esquerda a imigração é a salvação da demografia e do Estado Social. Para a direita a imigração é o fim da Civilização do Ocidente e a Teoria da Grande Substituição. O briefing ao líder socialista aproxima-se do puro oportunismo, aproxima-se do consenso mais à direita, ignora a perspectiva do sofrimento dos imigrantes, contempla a linha do horizonte, sonda o seu futuro como líder e do fundo superficial da sua alma política atira-se à nação.
Em toda esta hipocrisia política a imigração é apenas um argumento político que é usado sem escrúpulos e sem imaginação para preencher a completa ausência de uma ideia para o país. Há qualquer coisa de precocemente envelhecido na suposta juventude de um líder que pretende representar o carisma e o futuro da esquerda democrática e socialista. Sobra pretensão política onde falta consistência política. Versado nos corredores da intriga política, o líder do PS não tem a imaginação nem a criatividade políticas que o país necessita. Um argumento perigoso que pode fazer do líder do PS Primeiro-Ministro de Portugal.
Ficaram os portugueses a saber que os imigrantes têm de respeitar o modo de vida português. Frase fantástica no ideário do líder do PS que se legitima pelo fervor radical e pelo impulso esquerdista. Mas o imigrante surge no discurso político como mão-de-obra barata, como ameaça à segurança, como objecto de tráfico humano, enfim, surge o imigrante como uma realidade distante e envolta em todos os lugares comuns do não pensamento político. O imigrante é no discurso político um elemento essencial ao discurso de ódio, ao racismo, à xenofobia, ao nativismo. Enquanto odiamos o outro, não nos odiamos a nós próprios. E ninguém percebe que, através do discurso político dos imigrantes, estamos a instalar o ódio entre nós numa versão de outsourcing político. Pensamos garantir deste modo a coesão e a identidade nacionais. Pela integração, pelo multiculturalismo, pela indiferença, o discurso apocalíptico sobre a imigração é a sublimação do ódio que nos une como nação.
Que a política pense o imigrante contemporâneo para além da degradação global, longe do declínio industrial, isolado da crise estrutural da democracia. Imaginem o empresário asiático que faz fortuna a empregar imigrantes asiáticos em Portugal numa fábrica clandestina que fabrica blusões de couro preto usados pelos skinheads que gostam de espancar o “exótico” paquistanês. A política bombardeia os imigrantes com pesadelos e a política é incapaz de inspirar os portugueses com sonhos. Ser português é um acto de resistência. Ser português também é ser migrante. Mas o futuro imita-nos. O efeito das migrações em massa é a criação de uma nova e radical categoria de seres humanos – pessoas que criam raízes em ideias e não em lugares; pessoas que são obrigadas a definir-se porque são definidas pelos outros; pessoas cuja identidade é como uma partitura de fusão entre uma vida deixada para trás e a realidade do local onde se encontram. O estatuto do imigrante é complexo, ilusório, confuso. Para perceber a realidade é preciso atravessar uma fronteira.
A política tem de entender a necessidade de construir uma relação alternativa com a circulação no Mundo. O pêndulo oportunista entre posições codificadas ideologicamente tem um passado violento. A realidade da imigração é plural, híbrida, selvagem, cosmopolita, metropolitana. Assim, tem de ser a política entre “ornatos violeta” e “arcadas de fogo”. A política de imigração não pode ser resumida ao pequeno épico dos sentimentos nem à violência épica das ruas sujas onde se vendem corpos e a fantasia da fuga para um futuro feliz.
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