Editorial

Marcelo vai dissolver o Parlamento. Só falta saber quando

António Costa tem agora um contrato a prazo, sem data marcada, mas apenas dependente do melhor momento para Marcelo. A legislatura acabou hoje, a dissolução está prevista, só falta saber quando.

Desenganem-se os que esperavam a bomba atómica agora e ficaram desiludidos com a inação do Presidente da República. É aparente. Marcelo Rebelo de Sousa destruiu António Costa do ponto de vista político, até o seu caráter e integridade — João Galamba é absolutamente instrumental, causa próxima deste desfecho político — e anunciou a dissolução do Parlamento a prazo. Nos seus termos e condições, sem morder o isco que Costa lhe lançou para sair já como vítima.

As palavras contam, mesmo quando são proferidas por um decisor político como Marcelo, que fala muito, fala demais. E é preciso lê-las com atenção. Os portugueses “esperam e precisam de mais e melhor”, de um poder político que resolva mais e melhor os seus problemas. Isto exige “capacidade, fiabilidade, credibilidade, respeitabilidade e autoridade”, afirma. A “autoridade, para existir, ser confiável, credível e respeitada, tem de ser responsável. Onde não há responsabilidade não há autoridade, respeito confiança e credibilidade”. As palavras são aparentemente para o (ainda) ministro das Infraestruturas. Não são. São mesmo para Costa, ou melhor, sobre Costa.

António Costa cansou-se das reflexões em voz alta do Presidente da República sobre a eventualidade de uma dissolução, estava a perder autoridade por responsabilidade própria — todos se recordam da forma como aceitou deixar Pedro Nuno Santos no caso do aeroporto, e este é apenas um exemplo — e aproveitou o caso Galamba para mostrar poder de decisão. Costa teve os seus 5 minutos de fama à custa do Presidente da República mais popular desde Mário Soares. Terminaram às 20h do dia 4 de maio.

É, de resto, uma ironia. Nunca, como nesta comunicação ao país, o Presidente falou tanto de dissolução. E das condições em que a fará, porque é o “último fusível”. “Terei de estar ainda mais atento e mais interveniente no dia a dia, para evitar o recurso de poderes de exercício excecional”, avisa Marcelo. “É o Presidente da República no nosso sistema constitucional, que deve assegurar, de forma ainda mais intensa, que aqueles que governam, cuidam mesmo da sua responsabilidade, da confiabilidade, da credibilidade, da autoridade“.

António Costa continua a liderar um Governo tão mau hoje como era antes desta crise, mas com uma diferença enorme (e razão tinha o antigo secretário de Estado Hugo Mendes, caído em desgraça no caso TAP),Costa perdeu o seu maior aliado, e definitivamente.

Marcelo sente-se pessoalmente traído, depois de sete anos de apoio político e contra a sua própria família política, de direito, e considera a estratégia de Costa um ato de deslealdade. Faz lembrar António José Seguro que, em debate com o atual primeiro-ministro pela liderança do PS, o acusou de deslealdade e traição. Como o Presidente indica, a propósito do envolvimento do SIS ao serviço do Governo e não do Estado, como deveria ser, “não se apaga, dizendo que já passou, não passa, não passará”.

A reação de António Costa perante um enxovalho político desta dimensão é imprevisível. Poderá ser a de ignorar, desvalorizar, como aparentemente será tendo em conta as primeiras reações de fontes não identificadas, ou poderá até pedir a demissão. Porque se este Governo já tinha uma existência complexa, a estratégia de Marcelo de levar Belém para a rua só poderá ter como consequência o desgaste de Costa, que vai passar os dias a olhar para o espelho retrovisor. À espera de ser abalroado por Marcelo. Pode sempre demitir-se antes, mas aí todos os eleitores vão perceber quem é que queria mesmo eleições antecipadas.

António Costa tem agora um contrato a prazo, sem data marcada, mas apenas dependente do melhor momento para Marcelo. A legislatura acabou hoje, a dissolução está prevista, só falta saber quando.

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