
Estafetas e plataformas digitais – que relação é esta?
Não havendo por enquanto um tratamento idêntico das situações profissionais desenvolvidas ao abrigo de plataformas digitais [...] é com elevada expectativa que se aguardam as futuras decisões do STJ.
É do domínio público a controvérsia que tem assumido a natureza da relação profissional dos estafetas (e outros prestadores de atividade) ao serviço de plataformas digitais. A questão tem sido apreciada à luz da nova presunção de contrato de trabalho do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (em vigor a partir de 1 de maio de 2023) e não tem merecido um entendimento uniforme dos tribunais. Com efeito, no curto espaço de algumas semanas, a polémica foi objeto de decisões de sentido contrário por parte de tribunais superiores, deixando no ar um sentimento de incerteza sobre o enquadramento legal a dar a esse tipo de vínculos.
Num caso, envolvendo um número significativo de estafetas de uma plataforma digital, o Tribunal da Relação de Évora, num acórdão proferido em 12/09/2024, afastou (ilidiu) a presunção de contrato de trabalho por se ter dado como provado, entre outras circunstâncias, que o estafeta “pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto”, que é ele que escolhe o meio de transporte utilizado e define o percurso a seguir, assim como os dias e horas a que pretende ligar-se à aplicação, e, inclusivamente, tem a possibilidade de subcontratar outro prestador de serviços de entrega. Concluiu a Relação de Évora que a plataforma digital não determina nem controla aspetos significativos da prestação da atividade dos estafetas, que gozam de uma ampla autonomia no desenvolvimento da mesma, e que tal é incompatível com a existência de subordinação jurídica.
Diversamente, a Relação de Guimarães, no dia 3 de outubro seguinte, num outro caso implicando um estafeta e uma plataforma digital, concluiu que a relação de trabalho apresentava características de subordinação suficientes para a sua qualificação como contrato de trabalho. Para tal referiu que a plataforma determina os limites máximos e mínimos do pagamento pelos serviços de entrega, deixando aos estafetas pouca margem de manobra e pouca importância atribuindo à circunstância de estes poderem recusar serviços. Relevou também o facto o estafeta prestar a sua atividade “para uma organização produtiva que não é sua, mas sim da empresa que gere a plataforma”, e a circunstância de o mesmo estar sujeito a diversas formas de controlo e de avaliação algorítmica por parte da plataforma, o que “não pode deixar de ser considerado uma manifestação do poder de direção e disciplinar que a empresa que gere a plataforma exerce”.
Não havendo por enquanto um tratamento idêntico das situações profissionais desenvolvidas ao abrigo de plataformas digitais, e sem prejuízo das particularidades que enformam cada caso, é com elevada expectativa que se aguardam as futuras decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria (que, no limite, conduzirão à fixação de jurisprudência uniformizadora). A opção que vingar determinará a consolidação do regime aplicável – o do contrato de trabalho ou o do trabalho independente ou autónomo – às relações profissionais em questão. E, pelo impacto que inevitavelmente terá tal opção sobre os custos inerentes a este tipo de organização laboral, ditará a contração ou proliferação do recurso a “prestadores de atividade” pelas plataformas e a toda uma economia informal que a eles tem estado associada.
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