Trump prepara terreno para acordos bilaterais de comércio mais favoráveis aos EUA
Economistas consideram que o memorando sobre comércio assinado por Trump abre caminho à ameaça de aumentar as tarifas aduaneiras e pode ser uma estratégia para chamar países a negociar.
No primeiro dia do seu regresso à Casa Branca, Donald Trump assinou um memorando sobre a política comercial dos EUA. Para os economistas, representa o “primeiro passo” para os prometidos aumentos das tarifas aduaneiras, em particular sobre as importações provenientes do Canadá, do México e da China — mesmo que, simultaneamente, o objetivo do Presidente norte-americano seja trazê-los para a mesa de negociações. Mas, embora estes três países sejam os únicos citados no documento, as repercussões irão “para lá deles”.
“Não estou a ver nenhuma razão pela qual ele não implementaria as tarifas. Parece ser bastante claro que a política externa dele é exatamente esta. Por outro lado, tentar adivinhar o que vai na mente de Donald Trump torna-se um bocado complicado, mas acho que ele tem todo o interesse em chamar esses países para a mesa de negociações“, afirma o economista Marlon Francisco, em declarações ao ECO.
O também professor da Nova SBE sublinha que, à luz da ameaça de retirar os EUA da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com a política do “America First” — que, aliás, dá nome ao memorando assinado na segunda-feira –, o novo Presidente norte-americano quer ir mais longe do que apenas rever as tarifas e a relação comercial com países terceiros.
“Ele acha que acordos multilaterais são acordos com os quais os EUA perdem sempre. Portanto, o que estou a ver é a Administração Trump começar a criar cada vez mais acordos bilaterais, nos quais as condições que os EUA conseguem impor são cada vez melhores para os EUA“, antecipa Marlon Francisco.
Óscar Afonso, professor catedrático na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), também admite que essa possa ser a estratégia do líder da Casa Branca ao pedir à sua Administração e às agências federais para que analisem as causas dos “grandes e persistentes” défices comerciais dos EUA — que, no total, rondam um bilião de dólares — e possíveis “práticas comerciais desleais de outros países”.
Trump pode querer negociar os acordos comerciais com os outros países para “evitar que os preços nos Estados Unidos subam tanto”, tendo em conta que, “se aplicar mesmo tarifas aduaneiras, os preços à entrada nos EUA aumentam porque acresce o valor da tarifa”, explica ao ECO o diretor da FEP, chamando a atenção, porém, para o exemplo das dificuldades que o Reino Unido tem tido em negociar bilateralmente desde o Brexit.
Se as tarifas aumentam, há um aumento de preços, que penaliza os consumidores e favorece os produtores – porque têm de produzir mais – e o Estado – porque recolhe as tarifas. O que é certo é que, no curto prazo, a perda dos consumidores é maior do que o ganho dos produtores e do Estado.
Pelo menos no imediato, um aumento das tarifas irá levar a uma subida dos preços nos EUA, o que penaliza os consumidores — que consomem menos — e favorece os produtores americanos — porque têm de produzir mais — e o Estado — porque recolhe as tarifas. “No curto prazo, a perda dos consumidores será maior do que o ganho dos produtores e do Estado“, resume Óscar Afonso, que aponta também para as “tensões inflacionistas” que deverão daí resultar — mas que “Trump parece querer compensar com a queda dos preços da energia”.
A dúvida do docente da FEP reside, sobretudo, nas consequências para os EUA deste reforço do protecionismo no longo prazo: “Como terá de aumentar a produção para satisfazer a procura interna, pode aumentar o emprego e, com isso, ter um benefício que compensa o prejuízo que tinha tido antes. Mas não é certo que o consiga, porque a concorrência também beneficia o produto em termos de melhoria da qualidade, já que, para manter a vantagem competitiva, é preciso estar sempre a inovar”.
Marlon Francisco é mais taxativo, argumentando que o reforço do protecionismo “tem sempre efeitos catastróficos internamente, ao contrário do que se acha”. “O quão negativo é vai depender do quão serão revistos os acordos comerciais ou de qual será o valor das taxas implementadas. Mesmo que a curto prazo possa ter alguns benefícios, a longo prazo, o protecionismo não é benéfico, além de que também não estou a ver os países afetados a não responderem“, aponta ao ECO o economista da Nova SBE.
A estratégia de Trump ficou evidente ainda no fim de semana, quando ameaçou impor taxas alfandegárias de emergência à Colômbia após o Presidente deste país, Gustavo Petro, ter impedido a entrada de aviões militares norte–americanos que transportavam colombianos deportados de território dos Estados Unidos.
Segundo a Casa Branca, Bogotá acabou por ceder no braço-de-ferro com os EUA, aceitando as condições impostas pelo Presidente norte-americano para o repatriamento de migrantes ilegais. Consequentemente, foram suspensas as tarifas e sanções contra a Colômbia.
No memorando não consta uma referência direta à União Europeia (UE), apesar de, ainda na noite de terça-feira, o Presidente dos EUA ter admitido impor taxas alfandegárias também aos 27 Estados-membros do bloco comunitário num futuro próximo.
“Acho que isso é só por uma questão de prioridades políticas, visto que o Canadá e o México são os maiores parceiros comerciais dos EUA e a China é o seu inimigo económico”, afirma Marlon Francisco, que rejeita que Trump esteja a fazer “um jogo de xadrez qualquer”.
Para Óscar Afonso, a falta de referência à UE no memorando “pode significar que Trump não a vê como suficientemente competitiva para criar mossa aos EUA — ou seja, que não a vê como um problema para os Estados Unidos nesta altura”. O bloco europeu “tem vindo a ter um desempenho económico desastroso em comparação com os EUA e a China”, justifica, lembrando as mais recentes previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujo otimismo relativamente ao crescimento da economia norte-americana melhorou, enquanto a taxa de crescimento para a Zona Euro foi revista em baixa.
Memorando reacende oposição de Trump aos “manipuladores de moeda”
Além das práticas comerciais, o memorando de Trump abrange medidas em matéria de política cambial, tendo designado ao seu Secretário do Tesouro a responsabilidade de analisar as práticas dos principais parceiros comerciais dos EUA no que diz respeito à taxa de câmbio entre as suas moedas e o dólar, de forma a identificar os países “manipuladores da moeda”.
O objetivo desta medida, segundo se lê no documento, passa por “combater a manipulação ou o desalinhamento da moeda que impeça ajustamentos efetivos da balança de pagamentos ou que proporcione aos parceiros comerciais uma vantagem competitiva desleal no comércio internacional”.
“Trump reacendeu mais uma vez a sua oposição ao que ele descreve como ‘manipuladores de moeda’, lançando uma guerra de palavras contra autoridades estrangeiras que ele considera estarem a interferir nos mercados cambiais“, assinala Duarte Líbano Monteiro, Chief Business Officer da Ebury, uma fintech especializada em pagamentos internacionais e câmbios.
Segundo Marlon Francisco e Óscar Afonso, o país que Trump tem em mente com esta medida é a China, visto que Pequim “não permite propriamente uma flutuação cambial plena ao nível do mercado” e “pode usar políticas de desvalorização da moeda para aumentar as exportações”.
Recordando que a questão da “manipulação cambial” da China já existe desde a presidência de Barack Obama, o economista da Nova SBE nota que a política de Trump é “uma continuação da prática que os EUA têm vindo a ter desde então”.
“A China tem feito um grande esforço, mesmo até dentro das instituições internacionais, para que a sua moeda seja reconhecida como uma moeda de reserva. Aliás, a criação do banco dos BRICS — o New Development Bank — foi exatamente para responder ao facto de o FMI não ter permitido uma maior implementação do renminbi como moeda dentro do cesto de [cinco] moedas do FMI, que continua a ser altamente dominado pelo dólar, a libra inglesa, o euro e o iene japonês”, explica Marlon Francisco.
Assim, sendo a segunda maior economia mundial e vendo que não tem um peso nesse cesto equivalente ao peso que tem a nível mundial, “o que a China tem feito é, de certa forma, monopolizado estas reservas internacionais que tem para conseguir manter o renminbi a um câmbio que lhe é bastante favorável e que lhe permite ter superávites comerciais com outros países”.
Ora, para Donald Trump, este cenário torna os Estados Unidos “menos competitivos no comércio global”, pelo que “a sua preocupação é que as autoridades nos países com fortes laços comerciais com os EUA possam estar inclinadas a intervir no mercado, seja verbalmente ou fisicamente, para manter as suas moedas fracas e contrariar as implicações negativas de crescimento do protecionismo comercial“, antevê Duarte Líbano Monteiro ao ECO.
Ainda segundo o responsável da Ebury, o problema, por outro lado, é que as políticas do novo Presidente norte-americano “são amplamente vistas pelos mercados como favoráveis ao dólar, nomeadamente as suas propostas de tarifas e impostos, que devem aumentar a inflação nos Estados Unidos e manter as taxas de juro da Reserva Federal mais altas por mais tempo”.
O que a China tem feito é, de certa forma, monopolizado as reservas internacionais que tem para conseguir manter o renminbi a um câmbio que lhe é bastante favorável e que lhe permite ter superávites comerciais com outros países.
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