Resiliência do Setor Segurador: A Integração dos Riscos Climáticos na Supervisão

  • Helena Chaves Anjos
  • 10 Fevereiro 2025

Helena Chaves Anjos analisa as escolhas das seguradoras portuguesas para enfrentarem financeiramente os investimentos e os riscos que a sustentabilidade desafia.

A transição para uma economia sustentável e resiliente face às alterações climáticas constitui um desafio incontornável para o setor segurador. A segunda edição do Relatório Anual de Exposição ao Risco Climático da autoridade de supervisão nacional (ASF, Janeiro 2025)1, revela avanços significativos na incorporação dos riscos climáticos na governação das seguradoras, nomeadamente, na avaliação dos riscos de transição nas carteiras de investimento. Contudo, os desafios persistem, na avaliação, medição e integração dos riscos físicos, no que respeita a politicas de subscrição e de provisionamento, com implicações diretas para a estabilidade financeira e para a segurabilidade de determinados riscos climáticos.

O papel da supervisão na sustentabilidade do setor

A autoridade tem vindo a consolidar a sua abordagem regulatória para reforçar a capacidade do setor segurador na identificação e gestão dos riscos climáticos. O relatório de 2025 evidencia uma evolução positiva das seguradoras na incorporação dos riscos de sustentabilidade nos seus modelos de governação e nos exercícios de autoavaliação de riscos e solvência. No entanto, os resultados demonstram que continuam a persistir assimetrias na maturidade desta integração, entre os vários operadores, com particular destaque na concentração da exposição das carteiras de investimento aos riscos de transição e desafios crescentes na subscrição de coberturas dos riscos físicos face ao potencial agravamento das catástrofes naturais.

Riscos de Transição: Exposição e Impacto nas carteiras de investimentos

A análise das carteiras de investimentos do setor segurador nacional confirma manter uma forte dependência dos títulos de dívida soberanos da área do Euro, com níveis de risco de transição relativamente em linha com
a média verificada na União Europeia. Contudo, observa-se uma maior exposição a títulos soberanos com risco de transição elevado, nomeadamente, na concentração de dívida de países, como Espanha e Alemanha, representando um desafio de diversificação, no contexto da aceleração regulatória climática.

  • No segmento da dívida privada e ações, observa-se um reforço progressivo da alocação de ativos em setores mais alinhados com a transição climática, embora persistam exposições significativas a indústrias intensivas em carbono. Cerca de 34% das carteiras de dívida privada continuam alocadas a setores como energia, transportes e indústria transformadora, com 42% dos ativos na carteira de seguros não unit-linked pertencentes a empresas classificadas como “climaticamente vulneráveis”. No entanto, no segmento acionista, verifica-se um decréscimo da exposição a setores de elevada emissão, com aumento de 12% na alocação a empresas com classificações ESG elevadas, segundo os ratings de sustentabilidade específicos para o efeito.
  • Nos fundos de investimento, um terço da exposição do setor segurador está alocada a entidades gestoras líderes em sustentabilidade, sendo que 47% da alocação já cumpre os critérios de reporting de sustentabilidade. Apesar deste avanço, a dependência de benchmarks convencionais bolsistas pode limitar a integração dos riscos climáticos nas decisões de investimento, dado estes índices manterem exposição a empresas com elevado impacto ambiental.

A autoridade tem incentivado as seguradoras a adotarem estratégias mais proativas, promovendo a integração de critérios ambientais, sociais e de governação, na seleção dos ativos e na gestão dos riscos de transição. Os resultados acima revelam que, embora as seguradoras nacionais tenham reduzido a sua alocação a setores climaticamente vulneráveis, a dependência de benchmarks convencionais pode, contudo, limitar uma incorporação mais alargada dos riscos climáticos nas decisões de investimentos.

Riscos Físicos: Exposição e Impacto nas Carteiras de Responsabilidades Reais

No que respeita à exposição aos riscos climáticos, na carteira de responsabilidades, decorrentes da subscrição do ramo Não Vida, destaca-se a relevância crescente dos riscos físicos associados aos eventos climáticos extremos, em particular, o impacto dos incêndios florestais e inundações. A carteira de seguros dos incêndios e multirriscos de habitação, representa cerca de 90% das apólices do mercado nacional, refletindo a forte concentração do património habitacional no risco agregado do setor.

O mapeamento das exposições indica que esta concentração territorial torna o risco segurável dependente da capacidade de modelização e potencial de mutualização dos eventos climáticos, bem como do pricing praticado por níveis de segurabilidade, dependendo do nível de risco diferenciado.

  • A análise georreferenciada, baseada na Carta de Perigosidade de Incêndio Rural e Perigosidade de Inundação, revela que aproximadamente um milhão de fogos habitacionais estão localizados em áreas com algum nível de exposição a riscos de incêndios florestais. Destes, 16% do capital seguro em habitações encontra-se em zonas de alto ou muito alto risco, com um volume de exposição estimado em 27 mil milhões de euros em edifícios (cerca de 10% PIB) e 4 mil milhões em conteúdos. Esta distribuição impõe desafios críticos para as seguradoras, exigindo uma abordagem quantitativa rigorosa que inclua taxas de reincidência histórica, frequência de eventos e modelização probabilística da intensidade dos danos.
  • No caso do risco de inundações, a exposição é mais concentrada: 27 mil habitações situam-se em zonas vulneráveis, totalizando 5,3 mil milhões de euros em capitais seguros, com 50% deste risco distribuído por apenas oito concelhos – Setúbal, Nazaré, Leiria, Murtosa, Coimbra, Esposende, Alcobaça e Montemor-o-Velho. Embora a magnitude financeira seja inferior à dos incêndios, a densidade de capitais expostos nestas áreas críticas aumenta a necessidade de uma atualização contínua dos modelos de risco e de precificação, incluindo simulações climáticas dinâmicas para avaliar impactos em cenários de agravamento da severidade destes eventos.

A integração destes riscos na modelização das seguradoras requer um aprofundamento da granularidade dos dados de subscrição, assegurando que o setor acompanhe as tendências climáticas e incorpore análises regionais para uma alocação mais eficiente do capital de resseguro. A mutualização dos riscos continua a ser
um fator central na viabilidade de longo prazo destas coberturas, em particular, nos centros de elevada concentração geográfica da exposição segurada, contra a dispersão de lacunas de proteção noutros locais.

Integração dos Riscos Climáticos na Governação das Seguradoras

A crescente exigência de incorporação dos riscos de sustentabilidade nos quadros prudenciais reforça a necessidade de um alinhamento estratégico das seguradoras com as novas exigências regulatórias. O impacto dos riscos físicos e de transição nas carteiras reflete alterações significativas na estratégia de gestão de riscos das seguradoras, de acordo com correlação relevante de 0,72 entre a maturidade dos desenvolvimentos participados e a integração destes riscos no exercício de autoavaliação de risco e solvência.

Nesse sentido, o reforço dos requisitos de capital para catástrofes naturais – incluindo inundações, tempestades e granizo – representa desafios face ao aumento de 10% no capital requerido para riscos climáticos, traduzindo-se numa elevação de 1% nos requisitos de capital geral das seguradoras europeias. Esta tendência evidencia a necessidade da revisão da composição dos portfólios de resseguro, garantindo
que as seguradoras nacionais consigam ajustar os perfis de risco sem comprometer a estabilidade financeira.

A integração dos riscos climáticos na governação prudencial exige abordagens avançadas de gestão de riscos físicos e de transição, consolidando cenários económicos, análises setoriais, projeções financeiras e dados georreferenciados. O setor segurador deverá ainda reforçar a aplicação de métricas quantitativas na avaliação da exposição aos riscos climáticos, garantindo um modelo de pricing sustentável que evite falhas de cobertura e distorções no mercado.

Neste contexto, a adaptação do setor depende, em grande medida dos fatores macroeconómicos e da evolução sustentável do negócio, e da capacidade das entidades reguladas desenvolverem estratégias de mitigação e adaptação robustas, garantindo um equilíbrio eficaz entre resiliência financeira e o compromisso de sustentabilidade do setor com a transição climática nacional.

Recomendações Finais na Supervisão de Riscos Climáticos

Em síntese as principais recomendações para o setor, apontam para três eixos estratégicos fundamentais:

1. Reforço da Análise dos Riscos Climáticos nas Carteiras de Investimento

  • Adoção de métricas mais sofisticadas para avaliar a exposição aos riscos de transição;
  • Integração de cenários climáticos nos modelos de gestão de ativos, para valorização dos títulos, sob transição energética.

2. Aprofundamento da Integração dos Riscos Climáticos na Subscrição de Seguros

  • Desenvolvimento de metodologias de pricing que incorporem a evolução da perigosidade climática;
  • Maior incentivo à utilização de bases de dados georreferenciadas para a subscrição de riscos físicos.

3. Promoção da Resiliência do Setor Segurador face aos Impactos Climáticos

  • Reforço da capacidade de mutualização do setor para garantir a segurabilidade dos riscos climáticos;
  • Adoção de políticas que incentivem a prevenção e resiliência, mitigando a exposição agregada do setor.

Caminho para uma Supervisão Climática Estratégica

A integração efetiva da sustentabilidade na governação e supervisão do setor segurador, em Portugal, requer um compromisso contínuo entre reguladores, supervisores, seguradoras e investidores. A autoridade tem desempenhado um papel determinante na promoção de uma maior transparência e rigor na avaliação dos riscos climáticos, contudo, o relatório, em epígrafe, evidencia que existe uma trajetória de longo prazo a percorrer.

Nesse sentido, o reforço da governação e supervisão de riscos climáticos exige o alinhamento e a convergência com as melhores práticas internacionais e capacidade de adaptação às especificidades do território nacional. A aceleração da transição energética e a intensificação dos eventos climáticos tornam este desafio uma prioridade para a estabilidade e sustentabilidade financeira do setor.

1 ASF apresenta a segunda edição do Relatório anual de Exposição ao Risco Climático dos setores Segurador e dos Fundos de Pensões 30 Jan.2025

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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