Três anos de guerra na Ucrânia. Kiev procura reerguer economia enquanto Moscovo enfrenta cada vez mais sanções

Economia ucraniana continua fortemente fustigada pela guerra, enquanto Moscovo parece resistir mais. No entanto, também já há sinais de arrefecimento na indústria - e cada vez mais sanções.

No dia 24 de fevereiro de 2022 o curso da história a leste mudou, com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Três anos depois, e com um conflito sem desenlace à vista, o país continua centrado em defender o seu território e com uma economia cuja recuperação é desafiante, enquanto Moscovo tem sobrevivido ao impacto das sanções internacionais, ainda que não incólume.

O ano do início dos combates ficou marcado pelo colapso da economia ucraniana face a um país devastado pela destruição. O Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano contraiu-se 28,8% em 2022, a maior queda na histórica económica do país desde a sua independência em 1991, quando em 2021 tinha subido 3,4%. Um ano depois, em 2023, a economia voltou a taxas de crescimento positivas e avançou 5,3%, ainda que muito influenciado pelo efeito de base. Porém, no ano passado o ritmo de recuperação terá abrandado.

De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgadas em outubro, a economia ucraniana cresceu 3% em 2024 e irá avançar 2,5% este ano. Uma projeção mais pessimista do que a divulgada, em janeiro deste ano, pelo Banco Nacional da Ucrânia (NBU, na sigla em inglês) de 3,6% este ano e 4% em 2025.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

No ano passado, a recuperação económica continuou, embora tenha desacelerado devido à difícil situação na linha da frente e a um aumento nos ataques aéreos da Rússia que levaram a escassez de eletricidade e menores colheitas“, assinala o supervisor ucraniano.

O país, considerado o celeiro da Europa, registou uma quebra drástica das exportações, com consequências para a segurança alimentar mundial, uma vez que é um dos principais fornecedores dos países em desenvolvimento. De acordo com dados da Comissão Europeia, a produção de cereais na Ucrânia reduziu-se 29% na campanha de 2022/2023.

“Embora o impacto da guerra nas exportações ucranianas de cereais tenha sido atenuado pela sementeira anterior à guerra e pelas grandes quantidades de existências acumuladas em 2022, as exportações futuras serão gravemente afetadas devido à perda ou deterioração das instalações de produção e às superfícies não plantadas“, alerta o executivo comunitário.

Recuperação económica continuou, embora tenha desacelerado devido à difícil situação na linha da frente e ao aumento dos ataques aéreos da Rússia, que levaram a escassez de eletricidade e menores colheitas.

Banco Nacional da Ucrânia

Em maio de 2022, a Ucrânia, a Moldávia e a União Europeia (UE) criaram corredores solidários que permitiram a exportações de 70 milhões de toneladas de mercadorias da Ucrânia. Segundo o Conselho da UE, o valor total do comércio através destes corredores é estimado em cerca de 192 mil milhões de euros, com cerca de 58 mil milhões de euros em exportações ucranianas e cerca de 134 mil milhões de euros em importações ucranianas.

“Além disso, a UE impôs direitos aduaneiros mais elevados aos produtos à base de cereais russos e bielorrussos para travar as exportações russas de cereais produzidos nos territórios da Ucrânia e ilegalmente apropriados “, destaca.

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As consequências da guerra continuam, assim, a restringir o crescimento económico. Ademais, a destruição de infraestruturas críticas de produção, a quebra de investimento e a falta de mão-de-obra devido à migração e mobilização têm sido especialmente penalizadoras.

Embora o número de currículos em sites de procura de emprego tenha aumentado, a falta de trabalhadores – de acordo com inquéritos realizados entre empresas – ainda é um grande obstáculo para as operações das empresas“, aponta o banco central, acrescentando que, por outro lado, é mais difícil encontrar ofertas de trabalho em áreas próximas à zona de guerra.

Neste sentido, a taxa de desemprego é desigual entre as regiões e superior nas regiões da linha da frente. “Naturalmente, essa situação também tem um efeito negativo para a economia”, enfatiza.

A maioria dos salários reais nas empresas ucranianas é mais elevada do que antes da guerra e o crescimento salarial supera a inflação, segundo o banco central do país.

Este quadro tem efeitos secundários, uma vez que a competição entre empresas para recrutar trabalhadores tem estimulado um maior crescimento salarial. De acordo com dados do NBU, no final do ano passado, a maioria dos salários reais nas empresas era mais elevada do que antes da guerra e o crescimento salarial supera a inflação, o que significa que mais do que compensam o aumento nos preços de bens e serviços.

Apesar disso, o NBU espera que a economia volte a acelerar até 2027, impulsionada pelo aumento esperado nas colheitas e pelo maior investimento na reconstrução da Ucrânia – incluindo de empresas privadas e investidores estrangeiros. Neste quadro, o financiamento externo terá um papel fundamental, com a expetativa de que entrem no país 38 mil milhões de euros em 2025 e 25 mil milhões de euros em 2026.

Três anos após o início da guerra, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, continua a multiplicar-se em encontros e apelos com líderes mundiais para garantir o apoio ao país e financiamento para a reconstrução. Uma tarefa que se tornou mais desafiante com Donald Trump à frente da Casa Branca. Esta semana, o presidente norte-americano acusou o homólogo ucraniano de ser o responsável pela guerra.

“Pensem nisso: um comediante de sucesso relativo, Volodymyr Zelensky, convenceu os EUA a gastar 350 mil milhões de dólares para entrar numa guerra que não podia ser ganha, que nunca precisava de ter começado, mas uma guerra que ele, sem os Estados Unidos e sem Trump, nunca conseguirá resolver“, escreveu Trump na sua rede social. Declarações já criticadas por diversos líderes europeus.

Após a acusação do Chefe de Estado norte-americano, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, anunciou que estará na segunda-feira em Kiev para “apoiar o líder [ucraniano] democraticamente” eleito. De acordo com dados divulgados pelo secretário-geral da NATO, Mark Rutte, os aliados ultrapassaram o compromisso de gastar 40 mil milhões de euros na defesa da Ucrânia em 2025, atingindo os 50 mil milhões.

Aliados ultrapassaram o compromisso de gastar 40 mil milhões de euros na defesa da Ucrânia em 2025, atingindo os 50 mil milhões, segundo a NATO.

Face ao complexo cenário, o endividamento do Estado ucraniano não para de subir. De acordo com dados do FMI, a dívida pública ucraniana disparou de 48,9% do PIB em 2021 para 77,7% em 2022, aumentando para 82,3% e para 95,6% em 2024. Para este ano, as projeções apontam para um rácio superior a 106%.

Paralelamente, o défice cavalgou de 4% do PIB em 2021 para 15,6% no ano do início dos combates. No ano seguinte agravou-se para 19,6%, mas em 2024 terá reduzido ligeiramente para 18,7%, mas as projeções da instituição de Bretton Woods apontam para um novo aumento, para 19,2% do PIB em 2025.

António Costa, Volodymyr Zelensky

Moscovo estimula economia com aumento da despesa

Três anos depois, a economia russa continua menos fustigada do que a ucraniana, apesar das sanções internacionais, ajudada pelo crescimento da indústria de defesa e armamento. O PIB russo caiu 1,2% em 2022, o que compara com o crescimento de 5,9% registado um ano antes. Porém, em 2023, a economia recuperou e avançou 3,6%.

De acordo com as estimativas do FMI divulgadas em janeiro, em 2024, a taxa de crescimento terá ficado em 3,8%, mas deverá desacelerar para 1,4% este ano e para 1,2% em 2026.

Um dos principais impulsionadores do crescimento tem sido o Estado, estimulando a economia através de contratos estatais, transferências orçamentais e apoios sociais. “O impulso orçamental e as necessidades do exército aumentaram a procura por trabalhadores, enquanto a emigração em massa em 2022 e um fluxo decrescente de migrantes reduziram a oferta. O aumento acentuado resultante nos salários impulsionou o consumo e a poupança“, pode ler-se numa análise publicada pelo Center for European Policy Analysis (CEPA).

O impulso orçamental e as necessidades do exército aumentaram a procura por trabalhadores, enquanto a emigração em massa em 2022 e um fluxo decrescente de migrantes reduziram a oferta. O aumento acentuado resultante nos salários impulsionou o consumo e a poupança.

Estudo publicado pela CEPA

Segundo os dados citados na análise, os salários na Rússia continuaram a subir, embora a um ritmo mais lento: de um crescimento de 9,4% em 2024 deverão passar para uma subida de 7% em 2025 e 5,7% em 2026, “muito longe dos picos de 2024, mas ainda o dobro da taxa de uma década antes da invasão”.

O Ocidente impôs sanções internacionais ao país. A UE, por exemplo, impôs sanções individuais e económicas à Rússia, mas também medidas diplomáticas e restrições em matéria de vistos, com o objetivo de enfraquecer a sua base económica. No entanto, a análise do CEPA assinala que a saída de mais de 1.200 empresas estrangeiras, ao mesmo tempo em que reduziu as opções disponíveis para os consumidores russos, aumentou os lucros das empresas russas, reforçou a procura por produtos feitos na Rússia e deu ao regime uma fonte de capital para redistribuição “por interesses politicamente leais“.

Paralelamente, “o crescimento económico da Rússia está fortemente vinculado aos gastos militares, com investimentos voltados para indústrias relacionadas com a guerra, a substituição de importações e projetos de infraestrutura para facilitar o comércio com a China”. Neste sentido, advoga que “na ausência de gastos com defesa, a economia da Rússia provavelmente estagnaria”.

Segundo o presidente russo, Vladimir Putin, o país prevê gastar quase nove 9% do PIB em defesa e segurança este ano, com os gastos militares a subirem quase 30%.

Segundo o presidente russo, Vladimir Putin, o país prevê gastar quase nove 9% do PIB em defesa e segurança este ano, com os gastos militares a subirem quase 30%.

Ainda assim, a economia russa mostra sinais de arrefecimento, com vendas e encomendas a cair em vários setores devido às altas taxas de juro e à inflação, sinalizou esta semana o ministro da Economia russo, Maxim Reshetnikov, segundo a Reuters. A pressionar negativamente estão os preços mais baixos do petróleo, restrições orçamentais e o aumento do malparado.

O ritmo desacelerou em vários setores: a indústria alimentícia, a indústria química, a produção de madeira e alguns setores da construção de máquinas”, disse o responsável russo, apontando ainda como exemplo o mercado automóvel, especialmente penalizado pelas altas taxas de juros.

Esta semana os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE fecharam um acordo político para o 16º pacote de sanções da UE contra a Rússia. O objetivo é que seja aprovado na segunda-feira, dia que marca o terceiro ano de guerra, e inclui direcionar as exportações de petróleo sancionando 73 navios adicionais que fazem parte da frota paralela da Rússia.

Embora sanções semelhantes dos EUA à Rússia não tenham levado a uma queda significativa nos volumes de exportação, o armazenamento flutuante aumentou. Isso deixou os compradores menos dispostos a aceitar navios sancionados“, destacam Warren Patterson e Ewa Manthey, analistas do ING, numa nota de research.

Esta semana os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE fecharam um acordo político para o 16º pacote de sanções da UE contra a Rússia. O objetivo é que seja aprovado na segunda-feira, dia que marca o terceiro ano de guerra.

De acordo com os últimos dados europeus disponíveis, existem 24,9 mil milhões de euros de bens privados russos congelados na UE e 210 mil milhões de euros de bens do Banco Central da Rússia também imobilizados.

A UE está a utilizar os lucros líquidos excecionais gerados por estes bens para apoiar a Ucrânia, através do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz e de outros programas. A informação atualizada em dezembro do ano passado contabiliza ainda 48 mil milhões de euros em exportações de mercadorias da UE para a Rússia desde fevereiro de 2022 e a importação da Rússia de 91,2 mil milhões de euros.

“Isto significa que, em comparação com os volumes de exportação e de importação de 2021, 54% das exportações e 58% das importações são atualmente objeto de embargo“, refere uma síntese do Conselho da UE. Entre os bens proibidos de importação da Rússia incluem-se carvão, diamantes e petróleo, o que significa que 90% das importações da UE de petróleo proveniente da Rússia são abrangidas pela proibição, entre outros.

A lista de mercadorias sancionadas não se fica por aqui. Por exemplo, a Rússia é o maior produtor mundial de alumínio fora da China, respondendo por cerca de 5% da produção global deste produto. Os EUA e o Reino Unido proibiram a sua importação em 2024, enquanto a UE proibiu até agora produtos de alumínio, incluindo fios, tubos, canos e folhas – o que, segundo contas do ING, representam menos de 15% das importações da UE.

“A Rússia agora responde por cerca de 6% das importações europeias de alumínio primário, metade dos níveis de 2022. A lacuna deixada pelos suprimentos russos foi preenchida principalmente por importações do Oriente Médio, Índia e Sudeste Asiático, e essa tendência provavelmente continuará. Enquanto isso, mais metal russo foi enviado para a China, o maior consumidor de alumínio do mundo”, destacam os analistas do banco holandês.

A Rússia agora responde por cerca de 6% das importações europeias de alumínio primário, metade dos níveis de 2022.

Analistas do ING

A UE, os EUA, o Canadá e o Reino Unido proibiram ainda todas as transações com o Banco Central Nacional da Rússia relacionadas com a gestão das reservas e ativos. De acordo com o Conselho, em fevereiro de 2022, as reservas internacionais da Rússia ascendiam a 579 mil milhões de euros, mas estima-se que mais de metade esteja congelada.

Luta contra a inflação

A inflação anda de mãos dadas com a guerra. Os preços ao consumidor aumentaram 12% na Ucrânia no ano passado, de acordo com dados do banco central do país.

“Os preços de vários bens e serviços mudaram de formas diferentes. Por exemplo, os preços dos vegetais aumentaram mais, enquanto os preços da farinha, cereais, laticínios e algumas frutas aumentaram significativamente. Os preços dos cigarros também cresceram significativamente devido a novos aumentos nos impostos especiais de consumo”, explica o NBU. Ao mesmo tempo, os preços de roupas e calçados não mudaram significativamente e às vezes eram até mais baixos do que há um ano.

A autoridade ucraniana espera que a inflação caia para 8,4% em 2025 e para a meta de 5% em 2026. Em janeiro deste ano, o banco central ucraniano subiu pela segunda vez consecutiva a taxa de juro diretora. O aumento de 100 pontos base colocou os juros em 14,5%, o nível mais alto desde o mês homólogo do ano passado.

Por seu lado, a taxa de inflação na Rússia acelerou em dezembro, fechando o ano nos 9,5%, segundo dados da agência de estatísticas Rosstat. Esta evolução tem sido influenciada pela despesa do Estado e pela escassez de mão-de-obra. O Banco Central Russo prevê que os preços subam entre 7% e 8% este ano.

O banco central manteve as taxas de juro diretoras na reunião de janeiro em 21%, pela segunda vez consecutiva. “As pressões de preços continuam significativas“, disse a governadora do banco central, Elvira Nabiullina, em conferência de imprensa, citada pela AFP.

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