Cimeira de Londres agita mercado do armamento e leva empresas de defesa a novos máximos
Um consenso entre os países europeus para uma estratégia de cessar-fogo na Ucrânia e a possibilidade de a Europa rever as regras orçamentais da defesa estão a puxar pelas ações das empresas do setor.
As bolsas europeias estão a ter um arranque de semana positivo, como resultado de uma sessão histórica para o setor de defesa que está a ser marcado por valorizações significativas das principais empresas de defesa e armamento.
Esta reação explosiva dos mercados surge no seguimento da cimeira de líderes europeus, realizada em Londres no domingo, onde se procurou delinear uma estratégia europeia para a paz na Ucrânia, numa altura em que a União Europeia se prepara para assumir maior responsabilidade pela sua própria segurança face às incertezas da política externa norte-americana.
O índice europeu de aeroespacial e defesa, que agrega as 26 maiores empresas do setor na Europa, chegou a valorizar mais de 8% na sessão desta segunda-feira, registando o maior ganho diário desde novembro de 2020 e atingindo um valor recorde. Os investidores responderam com entusiasmo aos sinais de que os governos europeus estão prontos para aumentar significativamente os gastos militares, refletindo uma mudança fundamental na postura de segurança do continente.
A indústria de defesa europeia tem vivido um renascimento desde o início da guerra na Ucrânia, mas o impulso ganho nos últimos dias marca uma nova fase neste ciclo de expansão do setor.
A alemã Rheinmetall, fabricante do carro de combate Leopard 2 – um dos veículos mais requisitados da Europa e recentemente fornecido à Ucrânia – está a liderar os ganhos, estando atualmente a subir 14% depois de já ter estado a valorizar 19%.
A britânica BAE Systems, responsável pelo o caça Typhoon e os sistemas de artilharia M777, viu as suas ações subirem 18,5% (está a subir 14,4%), enquanto a italiana Leonardo, conhecida pelos seus helicópteros de combate AW129 Mangusta e sistemas de defesa aérea, chegou a valorizar 18% (sobe agora 15%).
Esta onda de otimismo estendeu-se ao mercado mais amplo, com o índice pan-europeu STOXX 600 a chegar a valorizar 1,3% (atualmente está a negociar com uma subida de 1,2%), consolidando uma notável sequência de dez semanas consecutivas de ganhos.
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A Cimeira de Londres e a nova estratégia europeia
O comportamento muito positivo das ações de defesa transformou-se no motor principal do mercado europeu, num momento em que o setor atrai atenções sem precedentes dos investidores institucionais. O contexto para este entusiasmo do mercado está intimamente ligado à Cimeira de Londres, organizada no domingo pelo primeiro-ministro britânico Keir Starmer. O encontro, que reuniu líderes europeus na histórica mansão Lancaster House, próxima ao Palácio de Buckingham, surgiu num momento particularmente delicado para as relações transatlânticas e para o futuro da guerra na Ucrânia.
Keir Starmer anunciou no final da cimeira que o Reino Unido, França e Ucrânia chegaram a um consenso para formular uma estratégia de cessar-fogo para apresentar aos EUA. “Concordámos que o Reino Unido, juntamente com a França e potencialmente mais um ou dois países, irá colaborar com a Ucrânia numa estratégia para cessar as hostilidades, que depois apresentaremos aos EUA “, revelou Starmer à BBC1.
A Cimeira assumiu uma importância acrescida após o encontro tumultuoso entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o presidente americano Donald Trump na Casa Branca, na passada sexta-feira. Durante esse encontro, Trump repreendeu publicamente Zelensky, acusando-o de ser ingrato depois do apoio fornecido contra a invasão russa, num episódio que deixou os aliados europeus em estado de alerta com a possível suspensão do envio de material militar por parte da Administração Trump para a Ucrânia após o incidente na Sala Oval.
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O primeiro-ministro checo, Petr Fiala, expressou no sábado que a Europa enfrenta um desafio histórico e deve assumir responsabilidade pela própria segurança, defendendo um aumento nos gastos com defesa para pelo menos 3% do PIB.
“Se não aumentarmos rapidamente os nossos esforços e permitirmos que o agressor dite os termos, não nos sairemos bem”, advertiu o líder checo numa declaração na rede social “X” que reflete o novo espírito de urgência europeu.
Esta mudança de atitude traduz-se em compromissos concretos. O Reino Unido comprometeu-se com um novo financiamento de quase dois mil milhões de euros que permitirá à Ucrânia comprar 5.000 mísseis de defesa aérea, reforçando significativamente as capacidades defensivas da Ucrânia.
Keir Starmer também se comprometeu a aumentar os gastos militares britânicos para 2,5% do PIB até 2027, estabelecendo um exemplo que outros países europeus deverão seguir.

Complexo industrial de defesa europeia em ascensão
A indústria de defesa europeia tem vivido um renascimento desde o início da guerra na Ucrânia, mas o impulso ganho nos últimos dias marca uma nova fase neste ciclo de expansão. A Rheinmetall, além dos seus carros de combate Leopard, tem aumentado drasticamente a produção de munições de artilharia, um produto em escassez crítica no teatro de operações ucraniano. A empresa alemã anunciou recentemente a ampliação das suas instalações de produção para atender à crescente procura europeia.
A BAE Systems, gigante britânica que produz desde navios de guerra até sistemas eletrónicos avançados, viu a sua carteira de encomendas expandir-se significativamente. Os seus sistemas de artilharia M777, que já provaram o seu valor no conflito ucraniano, tornaram-se um dos produtos mais requisitados, enquanto os seus programas de modernização de tanques atraem cada vez mais clientes europeus preocupados com a obsolescência dos seus arsenais.
A italiana Leonardo, especializada em helicópteros e eletrónica de defesa, beneficia particularmente da nova aposta na capacidade defensiva aérea e vigilância. Os seus radares e sistemas de comando e controlo representam componentes essenciais na estratégia de fortalecimento das defesas aéreas europeias.
A “europeização” da defesa do continente, acelerada pelas tensões com a administração Trump e pela guerra na Ucrânia, cria um ambiente em que as empresas de defesa europeias podem realizar o seu potencial completo, depois de vários anos a viver na sombra dos seus pares americanos.
Um fator adicional a impulsionar o otimismo dos investidores é a notícia de que a União Europeia está a considerar dar maior flexibilidade aos países membros para aumentarem os seus gastos militares. Segundo fontes próximas das discussões, a Comissão Europeia poderá expandir a definição do que pode ser classificado como investimento em defesa.
Os custos com pessoal militar e manutenção de equipamento – que atualmente contam para as contas do défice orçamental dos países – podem vir a considerados em conjunto com os gastos principais em defesa. Esta mudança regulatória permitiria aos governos europeus investir mais em capacidades militares sem violar as regras orçamentais do bloco.
Esta flexibilização surge num momento em que a Europa procura desesperadamente formas de financiar as suas necessidades de defesa, com a guerra na Ucrânia a entrar no seu quarto ano e o presidente dos EUA, Donald Trump, a exigir o aumento dos gastos com defesa para 5% do produto interno bruto.
As empresas de defesa europeias, que durante muito tempo viveram à sombra das suas contrapartes americanas, encontram-se agora numa posição privilegiada para capturar um mercado em expansão rápida. A “europeização” da defesa do continente, acelerada pelas tensões com a administração Trump e pela guerra na Ucrânia, cria um ambiente em que estas empresas podem finalmente realizar o seu potencial completo.
Resta saber se este momento de clareza estratégica persistirá ou se, como tantas vezes no passado, a determinação europeia se dissipará quando confrontada com as realidades políticas e orçamentais. A resposta dos mercados sugere que, desta vez, algo fundamental mudou.
A pergunta já não é se a Europa investirá mais na sua defesa, mas quão longe este investimento irá e quais empresas emergirão como os novos gigantes numa paisagem de segurança radicalmente transformada.
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