Travar a desagregação de freguesias volta a estar nas mãos de Marcelo se Governo cair

Se não promulgar diploma antes de marcar legislativas, novas 302 freguesias “morrem” na praia. ANAFRE ainda confia num final feliz.

A desagregação de 135 uniões de freguesias aprovada pelo Parlamento poderá não ter efeito nas próximas autárquicas, caso o país avance para eleições legislativas, no seguimento da moção de confiança do Governo. A decisão caberá ao Presidente da República, a quem a lei confere poderes para promulgar os diplomas saídos do Parlamento e a marcação de eleições. Se Marcelo Rebelo de Sousa decidir marcar a data das eleições antes de promulgar o diploma das freguesias, este não terá efeito nas próximas autárquicas.

A vitória cantada por deputados, 302 freguesias e seus fregueses no Parlamento na última quinta-feira pode ser anulada com a queda do Governo, a qual se discute nesta terça-feira no Parlamento. Depois de, a 12 de fevereiro ter vetado a primeira aprovação dos deputados à lei de desagregação de freguesias, o Presidente da República estava obrigado a deixar passar a segunda votação, efetuada no dia 6, por larga maioria dos deputados, mas a rapidez da política nacional, com a iminente queda do Governo de Luís Montenegro, restitui outro tipo de poder de “veto” a Marcelo Rebelo de Sousa. Para impedir a criação das novas freguesias, basta-lhe atrasar a promulgação do diploma da Assembleia até à marcação de eleições legislativas. Por lei, o Presidente tem oito dias após receber um diploma para tomar uma decisão.

“O problema não é de validade, é de eficácia. Se o Presidente da República não promulgar antes de marcar eleições, permanece o efeito” do diploma de desagregação, “mas só é eficaz para [as autárquicas de] 2029”, confirma ao ECO/Local Online o jurista António Raposo Subtil. As novas freguesias ficarão criadas no papel, mas “sem eficácia”, nem eleitos ou instalações, explica.

Para o presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), “o senhor Presidente da República desta vez tem de promulgar. Tem, à partida, de promulgar. O processo já lá esteve [em Belém], voltou para a Assembleia [da República], agora tem de promulgar”, afirma Jorge Veloso ao ECO/Local Online.

Desta feita, a Assembleia da República não demorou 13 dias a enviar o diploma para Belém, como fez após a primeira votação. Logo na sexta-feira, um dia depois da reafirmação da desagregação no Parlamento, o diploma foi remetido ao Presidente da República, assegura Jorge Veloso. Informação que Belém não confirma nem desmente.

Marcelo afirmou, há um mês, que não iria voltar a criar entraves caso os deputados reafirmassem a desagregação de freguesias — só o Chega e a Iniciativa Liberal se opuseram, o que deu mais de dois terços a favor do surgimento de 302 novas freguesias nas autárquicas deste ano. Contudo, na altura não se falava de um ato eleitoral nacional anterior às autárquicas, o que agora, quando se contam as horas para a votação da moção de confiança, parece inevitável.

Segundo a Lei 39/2021, que regulou o processo para candidatura das freguesias à desagregação, “não é permitida a criação de freguesias durante o período de seis meses imediatamente antecedente à data marcada para a realização de quaisquer eleições a nível nacional”.

Por uma ditadura do calendário, a partir do momento em que as expectáveis legislativas antecipadas fiquem calendarizadas (e o Presidente já avançou os dias 11 e 18 de maio como as possíveis datas), o tempo que resta até esses dias é inferior a seis meses. Caso não haja legislativas antecipadas (o que se decidirá na tarde desta terça-feira na votação da moção de confiança do Governo), o calendário voltará a ter mais de seis meses até às próximas eleições, que, nesse improvável cenário de manutenção da atual Legislatura, serão as autárquicas de final de setembro ou início de outubro.

Ao final do dia de segunda-feira, a ANAFRE viu gorada a expectativa manifestada por Jorge Veloso ao ECO/Local Online durante a manhã e reiterada ao final da tarde: “se promulgar hoje ou amanhã, [a desagregação] pode avançar, tem prazo para isso. Estou a contar que promulgue hoje [segunda-feira]”.

No site da Presidência, surgiram várias promulgações no dia 10 de março, mas nenhuma relativa à desagregação de freguesias. Não obstante, mesmo confirmando-se a queda do Governo nesta terça-feira, o chefe de Estado ainda tem tempo para cumprir o desejo das freguesias e de mais de dois terços do Parlamento. Primeiro, vai ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado, segundo anunciou o próprio na semana passada. Só depois marcará eleições legislativas.

Se a Assembleia decidir chumbar a moção de confiança, em princípio haverá eleições” legislativas, reconhece o presidente da ANAFRE. Mas, salienta, “até serem marcadas [as legislativas] há hipótese” de promulgar o diploma de criação das 302 freguesias.

Veto de gaveta

Desta vez, e ao contrário do que fez a 12 de fevereiro, Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de afrontar diretamente os autarcas. Basta-lhe a inércia, fazendo o chamado “veto de gaveta”, em que protela a análise do diploma que lhe chegou da Assembleia da República.

Na quinta-feira, no Parlamento, PSD e PS deram nota do respeito pelos alertas de Belém, centrados sobretudo na escassez de tempo até às autárquicas de setembro ou outubro para implementar todo o trabalho de desagregação das 135 uniões de freguesias. Contudo, feita a ressalva, ambos os partidos explicaram por que não as tornavam em letra de lei.

“Qualquer mensagem dirigida ao Parlamento pelo senhor Presidente da República deve ser ouvida, deve ser escutada, deve ser considerada. Ponderámos muito as palavras do senhor Presidente da República na fundamentação do veto exercido”. Dito isto, os social-democratas explicaram: “dessa ponderação, concluímos que parar esse processo violaria de forma desnecessária e injustificada as legítimas expectativas das populações”.

Já os socialistas disseram que as palavras de Marcelo “mereceram a devida análise” e enalteceram “o papel fundamental do Presidente da República”, mas, relativamente às dúvidas de Marcelo, o grupo parlamentar “discorda das mesmas, pelo que irá confirmar o diploma”. E assim fizeram os socialistas, tal como os social-democratas, bloquistas, comunistas, o PAN e o Livre.

A Iniciativa Liberal, que tinha ficado a falar sozinha na votação inicial da desagregação de freguesias, a 17 de janeiro, teve agora, a 6 de março, a companhia do Chega, que antes se abstivera.

Só o Presidente da República sabe se as 135 uniões de freguesias se poderão desagregar já em 2025. Quando os deputados e as freguesias já julgavam ter derrubado a vontade de Marcelo e faziam a contagem decrescente para o ato eleitoral em 302 novas freguesias no segundo semestre, o Governo e a oposição, com a crise política, deram espaço ao Presidente para derrubar a desagregação por KO.

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