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“Falo por experiência própria, acho que às vezes nós nos apequenamos”

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões, Hugo Amaral,

Hugo Veiga, o publicitário português mais premiado de sempre, regressou ao país para conectar talentos e marcas locais com a rede global AKQA, que lidera criativamente. Em entrevista, explica como.

Ao fim de 20 anos fora, 15 em São Paulo e cinco em Los Angeles, o diretor criativo global da AKQA, rede de agências do grupo WPP, está de regresso a Portugal. Vai “começar começando”, como se diz no Brasil, mas no horizonte está a constituição de uma equipa e juntar clientes locais à carteira das marcas globais que trabalha nos cinco continentes.

O principal objetivo é perceber de que forma vou conseguir conectar não só talentos presentes em Portugal com oportunidades lá fora, mas de que forma conecto também marcas presentes aqui, empresas, ao talento e à network AKQA global“, começa por explicar. Não traça, em termos temporais, objetivos. “É preciso estar presente no ecossistema local para entender onde estão as oportunidades, o que é preciso mudar, de que forma conseguimos fazer algo diferente, implementar algo diferente. Essa é a intenção“, diz.

Sobre o talento nacional, o criativo que tem no curriculum mais de 60 leões de Cannes no currículo, entre eles cerca de 25 ouros e quatro grand prix — “Dove Real Beauty Sketches”, “Nike Air Max Graffiti Stores”, “Bluesman” e “Nike Never Done Evolving feat Serena” — diz não ter dúvidas. “O talento existe, o que acho importante é conseguirmos criar as condições para que grandes talentos nacionais não precisem de ir lá fora para crescer profissionalmente“.

Os orçamentos locais, feitos à medida do país, também não parecem ser vistos como um problema. “Vai muito de acordo com a forma como abordamos cada projeto. Por vezes consegue-se ser muito mais eficiente com menos pessoas, mas pessoas muito capazes, que vão fazer ali um sprint criativo e conseguem chegar a uma ideia, que depois pode ser desenvolvida através de um orçamento um pouquinho mais acessível”, aponta.

Numa entrevista que é também um balanço destes últimos 20 anos, o co-fundador da AKQA São Paulo diz que parte do sucesso da sua carreira — que é objetivo — é “nunca perder a ingenuidade”. “Quero continuar a ser criança, porque quando somos criança acreditamos que tudo é possível. À medida que vamos crescendo, e até crescendo na carreira, começamos a ter vários ‘nãos’, a entrar num outro tipo de conversas, começa a ser uma coisa mais mais densa. E acho que é muito importante nós continuarmos a ser ingénuos”.

Ser feliz no trabalho é outro dos ingredientes. “Vamos ter sempre os dias maus, como tudo na vida. Não é ‘de repente estou a viver no mundo dos ursinhos carinhosos, com arco-íris e estrelinhas’. É um ambiente criativo, então acaba por ser mais leve, mas ao mesmo tempo é um ambiente onde as pessoas estão a colocar a alma”, descreve.

O cliente ideal é um parceiro. “E quando trabalhas com clientes que abraçam o risco, é a melhor coisa. E geralmente dá sempre certo, nunca tive nenhum projeto com risco que não desse certo. Dizem que Deus protege os audazes, acho que existe um deus criativo, da criatividade, que diz “deixa ajudar, deixa dar certo”.

 

O que significa, para o grupo WPP e para o mercado, o diretor criativo global da AKQA estar baseado em Portugal?

Vou ‘começar começando’, como se diz no Brasil. Começar lentamente. O principal objetivo é perceber de que forma vou conseguir conectar não só talentos presentes em Portugal com oportunidades lá fora, mas de que forma conecto também marcas presentes aqui, empresas, ao talento e à network AKQA global.

E também, de que forma conectamos todas as mais-valias da WPP, que aqui possui diversas empresas e capacidades, para colaborar e oferecermos o melhor serviço às marcas que nos procuram.

Estar cá significa que a AKQ chegou a Portugal?

Por enquanto não, estou sozinho. Mas o objetivo é conhecer as pessoas e começar a entender o ecossistema. Estou fora há 20 anos, muita coisa mudou. Eu vinha em visita, participei em festivais do Clube da Criatividade de Portugal, então vou conhecendo um pouco do trabalho que aqui é feito, mas é preciso estar presente no ecossistema local para entender onde estão as oportunidades, o que é preciso mudar, de que forma conseguimos fazer algo diferente, implementar algo diferente. Essa é a intenção.

É um privilégio estar com a WPP e tenho sido super bem recebido pelo Francisco [Teixeira] e por toda a equipa da WPP. Mas tem que ser um processo lento. A partir do momento que entendo como as coisas funcionam, aí sim, podemos acelerar. Mas, por enquanto, estou a pensar de que forma, a conhecer os talentos. A partir daí, é conectar com essas oportunidades lá fora e conectar também clientes lá de fora com o talento nacional.

É preciso estar presente no ecossistema local para entender onde estão as oportunidades, o que é preciso mudar, de que forma conseguimos fazer algo diferente, implementar algo diferente. Essa é a intenção.

A ideia é Portugal passar a ser um hub criativo da agência?

Sim. A ideia, no momento, é de que forma conseguimos ter um grupo de talentos, com diferentes capacidades, desde logo o design. Quero entender muito bem o ecossistema de tecnologia aqui em Portugal, porque a AKQA tem um lado de tecnologia e inovação muito forte. Perceber de que forma conseguimos ter aqui presença, para trabalhar com projetos lá de fora.

Em termos de equipa, o que procura?

Como sou criativo, sempre vou à procura de mentes criativas, mentes inquietas. Gosto de trabalhar com pessoas que surpreendem, que não são simplesmente excelentes naquilo que fazem, mas que são capazes de questionar as coisas, questionar o status quo, estar sempre a pensar. Por exemplo, nós trabalhamos com várias creative technologies da network. Eles gostam quando nós, por exemplo, chegamos com ideias que vão até contra aquilo que tecnicamente é possível ou que eles achavam que era possível. Eu não sou especialista em tecnologia, sou criativo, copywriter de formação, e eu gosto de acreditar que tudo é possível. Então, às vezes eu vejo uma tecnologia, vejo uma outra tecnologia e digo “e se juntarmos estas duas coisas para fazer esta ideia?”.

Hugo Veiga, global Chief Creative Officer da AKQA, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Consegue dar um exemplo concreto?

Quando chegamos à AKQA, eu e Diego [Machado], que é o meu dupla — já estamos juntos há mais anos do que o meu casamento — estivemos um ano à volta do mundo, para conhecer diferentes estúdios antes de abrir em São Paulo [em 2014]. Durante um ano, fomos absorvendo o DNA da network. Começamos a trabalhar em Londres, depois fomos para Paris, depois fomos para São Francisco, éramos para ir para Tóquio e Xangai, só que entretanto ganhamos um concurso global da campanha do Campeonato do Mundo da Visa, que ia acontecer no Brasil, e acabamos por ficar em São Francisco, a desenvolver a campanha. Abrimos a agência com essa campanha que estávamos a produzir.

Mas quando chegamos a Londres, foi incrível. A AKQA foi um amor à primeira vista. Eles desenvolveram, por exemplo, o Nike Training Club, da Nike, e tinham um ginásio dentro da agência, onde chamavam técnicos de desporto, profissionais, para testar e depois gravar os exercícios, que iam fazer parte da plataforma. Eram aulas de diferentes exercícios, de acordo com os objetivos de cada pessoa.

Eu não sou especialista em tecnologia, sou criativo, copywriter de formação, e eu gosto de acreditar que tudo é possível.

E havia uma sala, que dizíamos que era a sala do James Bond. Não havia canetas que disparavam, mas era um grupo de emerging technologies, em que eles pegavam em diferentes tecnologias que estavam a emergir e trabalhavam projetos ou ideias para clientes da network. Ou seja, desenvolviam tecnologia, para depois apresentar aos clientes.

Foi um abrir de olhos do que era possível. Nós éramos criativos de storytelling. O Ajaz [Khowaj Quoram Ahmed], o fundador da agência, quis-nos contratar para abrirmos o escritório de São Paulo.

Depois de terem ganho ‘tudo’ no Festival de Criatividade de Cannes.

Sim, ano do “Dove Real Beauty Sketches”. Ele convidou-nos para abrir um escritório e nós dissemos que não, que queríamos ser criativos, não queríamos ser business man, não queríamos trabalhar numa folha de Excel. Ele respondeu que teríamos pessoas que iam apoiar nessa parte e começou a falar da AKQA, de projetos que estavam a fazer. E para nós, que vínhamos de campanhas um pouco mais tradicionais — fazíamos muitas ativações com inovação, até — ficamos fascinados. Era como se fosse Natal e nós íamos conseguir brincar com outros brinquedos.

Então, de que forma é que conseguimos ser criativos, com diferentes tecnologias, mas também trazer um lado de storytelling? Porque, no final, não é sobre a tecnologia, é de que forma a tecnologia vai fazer parte da vida das pessoas.

Então, de que forma é que conseguimos ser criativos, com diferentes tecnologias, mas também trazer um lado de storytelling? Porque, no final, não é sobre a tecnologia, é de que forma a tecnologia vai fazer parte da vida das pessoas.

Continua a ser um criativo e não um business man? O foco continua esse?

Agarro-me com todas as forças a isso. Acho que parte do meu sucesso na carreira é nunca perder a ingenuidade. Quero continuar a ser criança, porque quando somos criança acreditamos que tudo é possível. À medida que vamos crescendo, e até crescendo na carreira, começamos a ter vários ‘nãos’, a entrar num outro tipo de conversas, começa a ser uma coisa mais mais densa. E acho que é muito importante nós continuarmos a ser ingénuos.

Consegue manter essa ingenuidade?

Sim. É uma ingenuidade consciente, sei como as coisas funcionam. Na nossa área, aí 90% do que criamos não vai para a frente. Faz parte, estamos constantemente a jogar ideias para a frente, a puxar e muitas morrem. Porque mudou o objetivo dos clientes ou mudou uma pessoa do lado do cliente, ou aconteceu alguma coisa no mundo e agora esta ideia não faz tanto sentido ou já não há budget. É normal. Então, à partida temos que assumir que estamos num jogo em que 10% vai para a frente. Temos que trabalhar de forma a garantir que 90% é bom, para depois esses 10% também serem bons.

Hugo Veiga, global Chief Creative Officer da AKQA, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Ou seja, no meio de tantas boas ideias, o que for aprovado é quase necessariamente bom.

Uma coisa que fui aprendendo, é uma evolução do criativo para o gestor, é que ter uma grande ideia é apenas 20% do trabalho.

Quais são os outros 80%?

Temos que nos sentar com toda a equipa. Trazer o olhar da estratégia, planeamento, de atendimento ao cliente, de produção, para entender os diferentes lados. Faz sentido dentro da estratégia de cliente? É preciso ajustar alguma coisa. Ok, vamos ajustar. De que forma vamos blindar a ideia? Numa fase em que a ideia é tão delicada, tão sensível, é muito fácil matar uma ideia. De que forma é que lhe damos força, na hora de a apresentar? Tem que fazer sentido para os objetivos do cliente. Não só para o momento da marca, mas também do momento da liderança dessa marca. Temos que trabalhar de forma a que a ideia, sem perder a sua essência, consiga fazer sentido para aquele momento. É um trabalho colaborativo, acredito muito no poder de colaboração, de que somos uma equipa. A nossa indústria é criativa. Então, todos são criativos.

Na nossa área, aí 90% do que criamos não vai para a frente, faz parte. Porque mudou o objetivo dos clientes, ou mudou uma pessoa do lado do cliente, ou aconteceu alguma coisa no mundo e agora esta ideia não faz tanto sentido ou já não há budget.

Têm 33 estúdios. Lida com quantas pessoas?

Depende dos projetos, mas diretamente vou lidando com as lideranças criativas. Estamos presentes nos cinco continentes e eu trabalho com todos. Neste momento estou a fazer um projeto que tem uma equipa na Austrália, Nova Zelândia, uma equipa na Itália, Suécia, em Londres, uma equipa em Miami, em Los Angeles e em São Paulo.

Qual é o projeto?

Posso dizer que é para a Coca-Cola, uma iniciativa global. É uma honra e uma benção conseguir trabalhar com profissionais tão incríveis. É cansativo do ponto de vista de fusos horários, mas Portugal é uma time zone muito boa.

Portugal tem um dos fusos horários mais amigáveis para um papel global como o meu, bem como um valioso ecossistema de inovação e arte para o qual o mundo ainda não acordou. Mal posso esperar para me conectar mais com seu potencial”, escreveu num post à chegada. Em Portugal há um talento por descobrir?

O talento existe, o que acho importante é conseguirmos criar as condições para que grandes talentos nacionais não precisem ir lá fora para crescer profissionalmente. De que forma Portugal, e as oportunidades que eu acredito que vamos conseguir criar, permitam que consigam ir lá para fora, cá de dentro.

É um problema de escala, só?

É um problema de escala. Financeiro também, os orçamentos das iniciativas de marca estão de acordo com o tamanho do país. Mas acho que existe uma oportunidade de fazer as coisas diferentes. Algumas pessoas com que vou falando, dizem que às vezes se faz mais do mesmo e que o mercado acaba por se retroalimentar nacionalmente. E às vezes, olhando um pouquinho lá para fora e trazendo um pouquinho da forma de trabalhar internacional, agregar com o que nós fazemos muito bem, acho que aí a magia acontece.

A ideia é a partir de cá trabalhar clientes globais, também com talentos portugueses. E é também trabalhar clientes locais?

Sim. E de que forma conseguimos, para marcas locais, dar acesso a capacidades que estão lá fora e que nós possuímos.

Por vezes consegue-se ser muito mais eficiente com menos pessoas, mas pessoas muito capazes, que vão fazer ali um sprint criativo e conseguem chegar a uma ideia, que depois pode ser desenvolvida através de um orçamento um pouquinho mais acessível.

Com orçamentos muito mais limitados.

Às vezes os orçamentos… Vai muito de acordo com a forma como abordamos cada projeto. Por vezes consegue-se ser muito mais eficiente com menos pessoas, mas pessoas muito capazes, que vão fazer ali um sprint criativo e conseguem chegar a uma ideia, que depois pode ser desenvolvida através de um orçamento um pouquinho mais acessível. Se colocas um expert de IA no início do processo criativo, o que ele vai trazer às vezes numa manhã de trabalho, é muito acima do valor dessas poucas horas que tivemos juntos.

Hugo Veiga, global Chief Creative Officer da AKQA, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

E a publicidade “tradicional”, ainda faz sentido?

Sim, ainda faz muito sentido, ainda entrega bastantes resultados. Agora, é a forma. Temos de pensar que se vamos estar presentes nesses canais, de que forma é que vamos ser relevantes para o momento das pessoas, quando tiverem a experienciar esse conteúdo.

Acho que às vezes nos esquecemos que estamos a interromper o que as pessoas estão a fazer. Quando estás no YouTube, ficas ali a contar os segundos para poder pular o anúncio, e temos que pensar de que forma é que ali se consegue captar a atenção, de forma a que a pessoa tire o dedinho e queira ficar a assistir ao conteúdo.

Acho que às vezes nos esquecemos que estamos a interromper o que as pessoas estão a fazer.

Acontece-lhe com frequência ser surpreendido com boa publicidade?

Menos do que eu gostaria. É importante vermos, até nas agências concorrentes, bom trabalho. Dizem que o melhor lugar para abrir um pub é ao lado de outros pubs, porque quando está a dar certo, ajuda. Quando todas as marcas ou as agências estão a produzir um trabalho local bom, vão-se puxando umas às outras. Então é importante que toda a gente esteja a produzir trabalho que é bom, que as pessoas gostam de ver. Os próprios clientes vão dizer “ali o concorrente fez uma coisa muito boa. Quero fazer uma ainda melhor” O Ronaldo não seria o Ronaldo se não existisse o Messi, nem o Messi seria o que é se não fosse o Ronaldo. É bom, essa competitividade saudável.

Faltam muitos Messis e Ronaldos na publicidade?

Eles existem. Mas às vezes é também uma questão de oportunidade. Eu era mais um. Só que tive a oportunidade e consegui olhar para o ecossistema onde estava, tive muita sorte. Onde dei realmente assim um salto criativo foi na Ogilvy de São Paulo, foi um período mágico na indústria brasileira. Foi um período que culminou com a Ogilvy São Paulo a ser agência do ano em Cannes, a nível global. E presenciei toda a dinâmica, como é que se começa de um ano em que não se ganha nada, e temos projetos ali mais ou menos, a começarmos construir um ecossistema em que uns vão puxando pelos outros. Até hoje somos muito amigos.

Havia uma visão, sermos uma das melhores agências do mundo e trabalharmos juntos para que acontecesse. Foi uma coisa que levei muito para quando abri a AKQA, em São Paulo, com o Diego [Machado]. Esse sentimento de possibilidade, de que forma conseguimos entrar na cabeça das pessoas que vão colaborar connosco e dizer que tudo é possível, que não existem nãos, não existem dogmas. Tínhamos muito esse pensamento quando abrimos, logo à partida dizer “nós não temos resposta para tudo, estamos a aprender com vocês, mas sabemos para onde vamos”.

Não queríamos concursos, não queríamos compra de media [para não condicionar a ideia] e não queríamos trabalhar ao fim de semana. Quando nós abrimos fizeram ‘bolões’ [apostas] de quanto tempo iríamos durar.

Esse parece ser o sonho de qualquer criativo, de qualquer pessoa, aliás. A AKQA São Paulo foi considerada “O escritório mais feliz da WPP”, em 2018. Num vídeo feito já aqui na WPP Portugal, dizia que o mais importante é que as pessoas se divirtam. É mesmo possível? No dia a dia?

Sim. Vamos ter sempre os dias maus, como tudo na vida. Não é ‘de repente estou a viver no mundo dos ursinhos carinhosos, com arco íris e estrelinhas’. É um ambiente criativo, então acaba por ser mais leve, mas ao mesmo tempo é um ambiente onde as pessoas estão a colocar a alma. É um acto de entrega, um acto de partilha muito grande o acto criativo. Quando abrimos a AKQA São Paulo, nós éramos ‘moleques’. Eu tinha na altura 33 anos, o Diego 27, não éramos nem diretores criativos. Não tínhamos a certeza de muitas coisas, mas tínhamos certeza do que não queríamos.

Hugo Veiga, global Chief Creative Officer da AKQA, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

O que é que não queriam?

Não queríamos concursos, não queríamos compra de media [para não condicionar a ideia] e não queríamos trabalhar ao fim de semana. Quando nós abrimos fizeram ‘bolões’ [apostas] de quanto tempo iríamos durar. Diziam que seríamos mais uma agência a fechar, porque não fazia sentido.

Na nossa profissão, temos que filtrar muito. De que forma conseguimos filtrar uma mensagem até chegar a um headline bem curto, que é poderoso e que passa a mensagem? A forma como simplificamos, foi pensar “vamos fazer o trabalho das nossas vidas, através do processo mais feliz. Então, o que nos faz felizes?”. E é isso, sem concursos, sem compra de media e sem trabalhar ao fim de semana.

Então, nós implementámos um cuidado muito grande com as pessoas. A primeira contratação foi a Mazé, que ainda está connosco. Nós dizíamos que era uma mãe, uma representação de uma mãe que vai cuidar de nós. Fazia o almoço, fazia os biscoitinhos, o bolinho a meio da tarde. Tinha muito esse espírito de cuidar das pessoas, de entender. Às vezes tínhamos três potes de requeijão, porque cada pessoa gostava de um diferente — o pequeno-almoço é servido na agência. Queremos que as pessoa sejam escutadas, os pequenos detalhes fazem uma diferença gigante. Temos essa ideia de cuidar das pessoas, de valorizar a pessoa, em qualquer cadeira onde a pessoa se sente, ela faz a diferença.

Não é ‘de repente estou a viver no mundo dos ursinhos carinhosos, com arco íris e estrelinhas’. É um ambiente criativo, então acaba por ser mais leve, mas ao mesmo tempo é um ambiente onde as pessoas estão a colocar a alma. É um acto de entrega, um acto de partilha muito grande, o acto criativo.

É possível manter a nível global esse espírito? Ele existe?

É muito mais fácil num ambiente controlado, em que estás presente diariamente. À distância, nós gostamos de direcionar, ter uma visão clara do que é preciso fazer e ajudar. O meu trabalho é muito pensar de forma a apoiar iniciativas locais ou projetos globais que estão a acontecer. Preciso conhecer muito bem as equipas, para pensar “há uma dupla na Suécia que vai encaixar muito bem neste projeto que a Itália está a fazer”. E juntamos as pessoas.

Na sessão da WPP, dizia que por sermos um país pequeno, achamos que também somos pequenos. Que os portugueses, por comparação com o que se passa no Brasil, se prendem muito aos problemas, pensamos que a casa vem abaixo e na realidade não vem. Comparando os três mercados, Brasil, EUA e Portugal, o que destaca?

Falo por experiência própria, acho que às vezes nós nos apequenamos. Porque estamos a viver um contexto de um país que é menor, um mercado que é menor. E muitas vezes ficamos acomodados à forma de fazer as coisas aqui. E tentamos fazer o melhor possível, olhamos em volta e achamos que estou a fazer uma coisa boa.

Acho que aprendi muito quando fui lá para fora. Cheguei a São Paulo em 2005 como estagiário, e na altura já trabalhava aqui na extinta Strat como copywriter senior. A expectativa estava muito em baixo. Primeiro, estagiário. Depois, português. Um criativo português era tipo “ah, um mercado menor”. Então as pessoas não tinham expectativa nenhuma.

E para mim, foi ótimo. Cheguei e pensei ‘vou-me divertir, vou fazer’. Porque às vezes, com a expectativa, pensamos se conseguiremos responder. Então eu estava a divertir-me e fui fazendo ‘trinca’ com duplas mais seniores e acabei por desenvolver projectos que as pessoas adoraram. Acho que as pessoas, talvez por não estarem com grandes expectativas sobre mim, iam pegando nas ideias, iam mostrando e foi dando certo.

Cheguei a São Paulo em 2005 como estagiário, e na altura já trabalhava aqui na extinta Strat como copywriter senior. A expectativa estava muito em baixo. Primeiro, estagiário. Depois, português. Um criativo português era tipo “ah, um mercado menor”.

E comparando, São Paulo e LA?

São dois mercados e dois países completamente diferentes. No Brasil há um jeito muito leve, fazendo a metáfora com o futebol é o “joga bonito”. É uma coisa muito leve, muito divertida. O dia-a-dia é muito pesado, temos que fazer muita coisa, mas é também leve. As pessoas gozam umas com as outras, mesmo as reuniões, com os próprios clientes, é uma leveza. Isso ajuda muito.

E depois nos Estados Unidos é uma coisa um pouquinho mais processual. O poder retórico é muito valorizado, às vezes até mais do que o próprio poder da ideia. A forma como as pessoas se posicionam, a forma como as pessoas explicam, faz com que se pense “não sei se essa ideia faz muito sentido ou se é muito boa, mas falou com tanta convicção, que vamos lá”.

Hugo Veiga, global Chief Creative Officer da AKQA, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Então, nos EUA é mais a forma como se apresenta…

Mas é onde estão as grandes oportunidades. Nos Estados Unidos, qualquer projeto já nasce internacional. É quase como um cinema, é diferente um filme muito bom francês ou brasileiro — temos agora o “Ainda estou aqui” — mas é muito difícil.

À segunda-feira publicamos uma secção, Primeira Pessoa, que termina com um questionário de 10 perguntas a um diretor de marketing. Invertendo os papéis, vou pedir que responda a algumas. Em publicidade, é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar, sem dúvida.

A publicidade em Portugal, numa frase?

Com enorme potencial. Existe um enorme potencial aqui de fazer as coisas, de se arriscar mais.

[Com os clientes] ser muito uma troca, uma parceria, é o melhor. É a única forma de fazer grandes projetos. Principalmente quando estás a fazer projetos que têm um risco envolvido, que nunca foi feito, que às vezes não temos certeza se vai dar certo.

E a agência ideal é aquela que?

Aquela para onde as pessoas vão motivadas, felizes, a acreditar que vão fazer algo que pelo menos as vai divertir.

E o cliente ideal?

É um cliente que é parceiro. Não gosto da palavra cliente, na verdade, nós temos uma parceria, agência e marcas. Eles vêm à procura de um serviço, nós estamos a proporcionar um serviço. Então, existe uma troca financeira, mas acima de tudo tem que ser uma parceria. Gosto muito de trabalhar com clientes onde esteja à vontade para… Falo muito por WhatsApp, às vezes para apresentar ideias. Mando um áudio “acabamos de ter aqui uma ideia muito louca”.

Gosto de ter esta relação para contar as boas ideias, mas também um à vontade para quando as coisas não dão certo, sentar e dizer “olha, estamos com um problema”. E ser o máximo transparente. Ser muito uma troca, uma parceria, é o melhor. É a única forma de fazer grandes projetos. Principalmente com estás a fazer projetos que têm um risco envolvido, que nunca foi feito, que às vezes não temos certeza se vai dar certo… Posso falar de um projeto recente, que foi gravado aqui para a Coca-Cola Global, que foi no Natal. A ideia era que toda a gente ama o Natal, mas existem umas pessoas que são sempre esquecidas, que são as que fazem aniversário perto do Natal.

Há dois anos.

Há dois anos, em Cascais. Então nós tivemos a ideia de juntar uma cidade para celebrar o aniversário de uma pessoa que faz aniversário no dia 22 de dezembro. E fazer isto ao vivo, para o mundo inteiro. O risco envolvido era bizarro. O que pode acontecer? Uma cidade inteira, um trajeto, e nós fomos muito francos com os clientes, dissemos “não sabemos se vai dar certo. Nós acreditamos, vamos fazer de tudo, planear de forma a que dê certo. Mas pode não dar certo”. Então, é preciso preparar os clientes, eles entenderem que pode dar errado. E quando trabalhas com clientes que abraçam esse risco, é a melhor coisa. E geralmente dá sempre certo, nunca tive nenhum projeto com risco que não desse certo. Dizem que Deus protege os audazes, acho que existe um deus criativo, da criatividade, que diz “deixa ajudar, deixa dar certo”.

Ao contrário do que aconteceu quando chegou ao Brasil, um estagiário de quem não se esperava nada de transcendente, agora volta a Portugal como “o criativo português mais premiado de sempre”. As expectativas estão em alta… Como imagina a agência, ou o projeto que nascer em Portugal, daqui a um ano?

É começar lentamente. A AQKA em São Paulo demorou a ganhar seu primeiro leão de ouro, a conquistar os primeiros grand prix. Tudo é um processo, não é da noite para o dia que as coisas acontecem. Acho que é preciso também estabelecer bem quais são as expectativas, não é chegar aqui e “agora as coisas vão mudar”. Não, até porque tenho um enorme respeito pelo mercado local.

Preciso de entender como as coisas funcionam. Preciso conhecer as pessoas e depois, aos poucos, começar a achar um espaço onde seja relevante para clientes locais, que seja relevante para os talentos locais, e começar a crescer a partir daí. As coisas vão sendo sempre feitas de forma diferente. E, pode não acontecer, também. É não viver com a angústia de “será que vai dar certo?” Vai dar certo, de alguma forma vai sempre dar certo. É preciso ter esse otimismo e essa positividade.

Pode assistir à entrevista completa, com todas as respostas na íntegra e outros temas, aqui:

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