
O X da questão
O absurdo desta situação é evidente: os responsáveis políticos europeus não apenas ignoram a realidade em que o X se transformou, como a legitimam.
Há algo de profundamente errado no facto de, quase sem exceção, os políticos europeus continuarem a usar o X como principal ferramenta de comunicação política. Ministros, primeiros-ministros, presidentes e comissários europeus fazem anúncios, prestam esclarecimentos, divulgam decisões e, em muitos casos, reagem a crises exclusivamente através desta plataforma. Tornou-se tão natural que já ninguém o questiona. Mas devia.
O X, outrora Twitter, foi durante anos um espaço vivo de debate e informação, onde jornalistas, académicos, políticos e cidadãos podiam discutir ideias e aceder rapidamente a notícias de fontes credíveis. Hoje, essa plataforma é uma sombra do que foi. O que antes era um fórum de discussão global tornou-se um espaço tóxico, onde fake news se espalham sem controlo, onde a manipulação política encontra terreno fértil e onde algoritmos opacos dão palco aos piores instintos da sociedade. Desde que Elon Musk assumiu o controlo, o X transformou-se num território de desinformação, amplificação de teorias da conspiração e perseguição sistemática a vozes que defendem valores democráticos.
E, ainda assim, políticos que dizem defender as democracias liberais continuam a usá-lo como se nada tivesse mudado. Como se a plataforma não tivesse destruído os mecanismos básicos de verificação da informação. Como se os perfis falsos e as campanhas de influência estrangeira não estivessem a corroer a confiança pública. Como se o próprio Musk não tivesse adotado posições abertamente hostis aos princípios democráticos que esses mesmos líderes dizem proteger.
Durante anos, usei o Twitter como uma ferramenta de informação e debate. Acreditei, como muitos, que era um espaço onde se podiam trocar ideias e aceder a visões plurais. Mas a degradação da plataforma tornou-se evidente, e aquilo que antes era um espaço de pensamento crítico tornou-se um canal onde a mentira tem mais alcance do que a verdade. Um dia, simplesmente, percebi que não fazia sentido continuar ali. E saí. Abdiquei da minha conta no X porque não quis continuar a compactuar com aquilo em que a plataforma se transformou.
O absurdo desta situação é evidente: os responsáveis políticos europeus não apenas ignoram a realidade em que o X se transformou, como a legitimam. Cada vez que um presidente do Conselho Europeu faz um anúncio importante nesta plataforma, está a dizer que este é o espaço onde se devem buscar informações credíveis. Cada vez que um ministro responde a uma crise com um post, está a reforçar a ideia de que o X ainda é um canal fiável para o debate público. Cada vez que um governo escolhe esta plataforma como meio prioritário de comunicação, está a fortalecer um modelo que serve cada vez menos a democracia e cada vez mais os interesses do seu dono.
Há outras opções. Existem plataformas de comunicação institucional, existem redes sociais mais transparentes, existem canais diretos entre governos e cidadãos. Mas, acima de tudo, deveria existir a responsabilidade de não compactuar com um sistema que alimenta precisamente aquilo que os defensores das democracias liberais dizem querer combater.
O X não é inevitável. Mas a insistência dos políticos europeus em usá-lo como se fosse é, em si mesma, um sinal preocupante de cegueira estratégica. O discurso democrático não pode ser refém dos caprichos de um bilionário. Se os líderes políticos não forem capazes de perceber isso, talvez não sejam tão democratas quanto gostam de afirmar.
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